![]() |
O jovem deputado Ian |
Hoje gostaria de falar nominalmente
sobre um aluno da escola onde leciono. Trata-se do aluno Ian, recém-empossado
como jovem deputado para um mandato de um ano a partir de projeto de lei de sua
autoria selecionado num programa iniciado neste ano de 2013. Trata-se de um
exemplo de resultados que podem ser conseguidos através de uma vida escolar
marcada pela dedicação aos estudos, na contramão da maioria dos alunos de
escolas públicas como a nossa. Aliás, é exemplo de que o pessimismo que muitas
vezes se abate sobre nós, educadores, pode ser amenizado e, quem sabe, abandonado.
Ian é o tipo de aluno engajado
com o saber. Leitor assíduo, já se apossou de minha incipiente biblioteca de um
pouco mais de cem títulos, através de empréstimos frequentes. Sua leitura
inclui muita filosofia, história e apologética cristã. Como frequenta também a
biblioteca escolar é provável que sua leitura seja tão variada quanto
constante, algo perceptível pela atuação em sala de aula ao posicionar-se
categoricamente sobre temas de ordens diversas. O clima geral de aversão ao
saber de sua turma, por outro lado, termina por impedir um engajamento seu
maior nas aulas, seja por suscitar sentimentos avessos à sua pessoa, seja por
não lhe servir de estímulo a uma posição de aluno cada vez mais engajado,
suponho. Apesar disso sua figura inteligente torna-se evidente na sala, na
escola e onde quer que vá. Desde 2011, quando retomei a atividade docente
percebi o seu potencial e mesmo percebendo que teria que, na condição de
professor, apresentar-me cada vez mais informado e preparado diante de Ian não
hesitei nem tentei fazê-lo sucumbir ante o orgulho do professor que
supostamente sabe mais. Certa vez ao delegar a um determinado grupo uma
exposição sobre o pensamento de Durkheim surpreendi-me com a facilidade que tem
Ian de, através da leitura, compreender um tema e apresenta-lo em público.
Naquele momento lembrei-me de quantos professores que não apresentariam a mesma
performance ali presenciada a
despeito dos títulos ostentados por muitos que exercem o ofício docente.
Ao saber de última hora das
inscrições para o programa Jovem Deputado Ian virou a noite elaborando um
projeto que o selecionou para o atual mandato. Um projeto de próprio punho,
pois nenhum professor o assessorou a ponto de se poder dizer que o jovem apenas
representou uma ideia alheia, diferentemente de muitos outros jovens deputados
que não agiram da mesma maneira.
O exemplo de Ian representa um
indício importante de que a cultura de leitura por estudantes de escolas
públicas é uma alternativa ao constante fracasso que se abate sobre essas
escolas. Mas aí é que está o problema: como construir uma cultura de leitura na
escola? Como vencer a influência de um cotidiano marcado pelo fluxo de informações
e práticas que em nada contribuem para o estabelecimento de um verdadeiro papel
de estudante? Ian é exemplo de resistência ao estereótipo de estudante
difundido na mídia e nos contextos mais gerais assimilado por alunos de escolas
públicas.
Talvez um dos caminho seja a
escola efetivamente assumir, através daqueles que a fazem, um exemplo de amor
ao saber livresco, na contramão da orientação rousseauniana de que as crianças
apenas devem ter contato com livros a partir dos quinze anos. Na medida em que
a escola se apresenta através de diretor, coordenadores e professores como
praticante de uma cultura de estudos é possível arregimentar os alunos da
escola para a mesma prática, ainda que não tão rapidamente. O problema é que
muitas das atividades apresentadas nas escolas privilegiam sobremaneira quem
rebola melhor, quem tem o corpo mais bonito segundo os padrões contemporâneos, quem dança melhor uma determinada
música representante de uma cultura de periferia descomprometida com a formação
dos jovens e promovida por quem aufere lucros através disso, enquanto não
privilegia atividades em que está em jogo o saber, sem nenhum preconceito de
classe contra aquilo que definitivamente representa a emancipação das massas –
a assimilação do conhecimento cultural elaborado historicamente no decorrer dos séculos.
Alguém dirá que se trata de cultuar o saber das classes superiores em prejuízo
das culturas e manifestações locais, exatamente aquelas que exercidas sem o
mínimo de senso crítico faz se eternizar o status
quo injusto.
Ian não é nosso primeiro aluno a
construir uma bela história através de uma vida exemplar de estudos. Há alguns
outros que poderiam ser mencionados e inclusive levados à escola para testemunhar
isso. E assumir o que proponho acima pode ser uma estratégia de fazer
multiplicar esse modelo de aluno que demonstra como é possível para estudantes
de escolas públicas vislumbrarem um futuro melhor para si e para sua comunidade
através da escola.
Nenhum comentário :
Postar um comentário