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Definimo-nos melhor pela alteridade, isto é, pela percepção e
deciframento do outro, do diferente. É por isso que muitas vezes reflitimos melhor
sobre o que somos ou sobre uma prática cultural mais geral quando a confrontamos com
uma prática de outros grupos ou comunidades. Não se trata de abandonar nossas
especificidades culturais ao simples sabor do confronto com outras culturas,
mas avaliar as nossas, melhorá-las quando isso significa melhorar o homem. É
isso o que falta às nossas escolas: confrontar culturas escolares, culturas de
estudos para que nossos alunos – e professores – possam avaliar sua condição de
estudante e o modo como uma certa manifestação de cultura escolar predomina num
espaço específico.
Recentemente um aluno – um ótimo aluno, por sinal – passou por
esse tipo de experiência. Trata-se de um aluno leitor, dedicado, que gosta de
discussões sobre os temas da aula e que de algum modo já se inquietava com o
fato de a maior parte de sua turma – e de sua escola – não privilegiar uma
formação com aquelas características. Algumas vezes se podia até vê-lo conformado
com a condição em que se encontra a maioria dos seus colegas e era possível
vê-lo, vez por outra, condescendente com o comportamento da maioria. Uma vez
selecionado para um programa que reuniu somente alunos com características
semelhantes às descritas mais acima – leitores, debatedores, dedicados – e reunidos
em espaços de discussão e aprendizagem, nosso aluno percebeu que o que de fato
ocorre em nossas escolas não é aprendizagem significativa, pelo menos não para
uma grande maioria. Ao retornar e perceber o cotidiano escolar sentiu-se
motivado a interferir. O resultado da história pode ser previsto a partir da
leitura das perguntas finais de Sócrates em relação a quem tentasse libertar os
prisioneiros restantes da caverna: hostilidade.
Neste sentido, que estratégias poderíamos então utilizar
para confrontar modelos culturais de estudos que pudessem acordar nossos alunos
para uma aprendizagem significativa? Afirmo, sem exageros, que estamos longe
disso! Nossos alunos não estão preparados para aprender nas condições em que se
apresentam na escola – totalmente indispostos para atividades de leitura e
discussão, atenção e questionamentos. Quando lhes falamos de leitura é como se
nos referíssemos a práticas alienígenas e qualquer discussão que parta do que
eles próprios estão discutindo naufraga quando a roupagem de conteúdo escolar
se revela. Do fundamental ao médio é o que ocorre indefinidamente.
Uma das estratégias mais radicais seria confrontar seus
resultados escolares pífios com um parâmetro avaliativo compatível com a média
prevista nos documentos curriculares oficiais, mas isso seria ocasião para uma
guerra entre Estado e escola, em que os professores, incapazes, seriam vistos e
avaliados como vilões contra os estudantes, vitimados. Levando em consideração
o sistema de ingerência política nas escolas, a cada bimestre teríamos substituição
de diretores, coordenadores e professores. Sem falar que há os profissionais
que fazem questão em camuflar os resultados, algo que contribui
fundamentalmente para a consolidação da cultura de não-estudos evidente em
nossas escolas.
Outras estratégias podem ser pensadas também, como a que
sugere que se leve para a escola alunos que se deram bem por fugirem à regra,
que estudaram, que se esforçaram. Reina a ideia de que esses alunos são
especiais, que nasceram inteligentes, mas trata-se apenas de estratégia da maioria
em ocultar a necessidade de confrontar modelos estudantis. Cabe lembrar que
mesmo a equipe docente administrativa não serve de exemplo, na maioria das vezes,
para esse tipo estudioso.
Começar a aplicar essas estratégias – e outras que surgirem –
pode ser uma maneira de rever o quadro de aversão ao saber que predomina em
nossas escolas, pois com a atual cultura de “aprendizagem” vai demorar ainda
muitas gerações para que o saber escolar se torne algo palatável.
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