terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Desfolhando cadernos no final do ano




Uma tradição escolar marca o público estudantil em algumas cidades pelas quais já passei: a ação de se desfolhar os cadernos no último dia de aula, a ponto de se criarem quase que verdadeiros tapetões brancos no decorrer de um raio de mais ou menos meio quilômetro de distância da escola. Muitos de nós já se dispuseram a apresentar análises desse fenômeno tão velho quanto eu, até onde sei, e pretendo aqui também apresentar minhas hipóteses sobre ele.

Pra começar imagino que tenha muito a ver com a mentalidade popular de aversão à escola, para a qual a chegada das férias representa não só um alívio, mas uma verdadeira oportunidade de se dizer não a um conjunto de atividades que não são de nenhum interesse para um estrato social que não vê no saber escolar qualquer coisa de atrativo. Assim, desfolhar o caderno representaria romper as amarras do sistema escolar que pretendeu, em toda a extensão do ano letivo, salvo o mês de julho, o das férias, fazer descer goela abaixo elementos culturais totalmente estranhos a uma clientela que não dispõe de um hábitus que seja condescendente com a fruição ou aprendizagem de conteúdos escolares.

Ocorre-me também que apenas alguns alunos destrocem seus cadernos, neste caso os aprovados. Mas aqui continuo no campo das hipóteses (não entrevistei nenhum aluno e não considero que poderia alcançar deles uma verdade espontânea e consciente sobre o fenômeno).

Uma terceira hipótese que apresento é a de que nem toda prática cultural é consciente. Neste sentido, por mais que algum significado algum dia esteve associado à prática de espalhar as folhas do caderno no caminho da escola prefiro acreditar que a reprodução do fenômeno hoje se dê de forma inconsciente. É como a reprodução de um simples elemento cultural desprovido de qualquer sentido mas que explica muito sobre a nossa disposição para reproduzir práticas culturais de forma inconsciente.

Como é um fenômeno visto por muitos como feio, subversivo, próprio dos mal educados ou indisciplinados, algo bárbaro ou primitivo, uma explicação adicional ainda seria a de que através dessa prática os alunos estariam exercendo sua sede de liberdade e inversão de valores sociais à semelhança do que ocorre em outros momentos na vida dos brasileiros. É assim, por exemplo, que Roberto Da Matta vê o carnaval (ou pelo menos o via nos anos 1980, quando escreveu “O que faz do brasil, Brasil?”). De acordo com esta interpretação, desfolhar o caderno ao se despedir da escola representaria experimentar atitudes que não puderam ser vivenciadas pessoalmente no interior de uma instituição tradicionalmente compreendida em termos foucaultianos, isto e, de vigilância e punição.

Mas paremos por aqui. E prometo que vou estudar o assunto.

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