Uma
tradição escolar marca o público estudantil em algumas cidades pelas quais já
passei: a ação de se desfolhar os cadernos no último dia de aula, a ponto de se
criarem quase que verdadeiros tapetões brancos no decorrer de um raio de mais
ou menos meio quilômetro de distância da escola. Muitos de nós já se dispuseram
a apresentar análises desse fenômeno tão velho quanto eu, até onde sei, e
pretendo aqui também apresentar minhas hipóteses sobre ele.
Pra
começar imagino que tenha muito a ver com a mentalidade popular de aversão à
escola, para a qual a chegada das férias representa não só um alívio, mas uma
verdadeira oportunidade de se dizer não a um conjunto de atividades que não são
de nenhum interesse para um estrato social que não vê no saber escolar qualquer
coisa de atrativo. Assim, desfolhar o caderno representaria romper as amarras
do sistema escolar que pretendeu, em toda a extensão do ano letivo, salvo o mês
de julho, o das férias, fazer descer goela abaixo elementos culturais
totalmente estranhos a uma clientela que não dispõe de um hábitus que
seja condescendente com a fruição ou aprendizagem de conteúdos escolares.
Ocorre-me
também que apenas alguns alunos destrocem seus cadernos, neste caso os
aprovados. Mas aqui continuo no campo das hipóteses (não entrevistei nenhum
aluno e não considero que poderia alcançar deles uma verdade espontânea e
consciente sobre o fenômeno).
Uma
terceira hipótese que apresento é a de que nem toda prática cultural é
consciente. Neste sentido, por mais que algum significado algum dia esteve
associado à prática de espalhar as folhas do caderno no caminho da escola
prefiro acreditar que a reprodução do fenômeno hoje se dê de forma
inconsciente. É como a reprodução de um simples elemento cultural desprovido de
qualquer sentido mas que explica muito sobre a nossa disposição para reproduzir
práticas culturais de forma inconsciente.
Como
é um fenômeno visto por muitos como feio, subversivo, próprio dos mal educados ou
indisciplinados, algo bárbaro ou primitivo, uma explicação adicional ainda
seria a de que através dessa prática os alunos estariam exercendo sua sede de
liberdade e inversão de valores sociais à semelhança do que ocorre em outros
momentos na vida dos brasileiros. É assim, por exemplo, que Roberto Da Matta vê
o carnaval (ou pelo menos o via nos anos 1980, quando escreveu “O que faz do
brasil, Brasil?”). De acordo com esta interpretação, desfolhar o caderno ao se
despedir da escola representaria experimentar atitudes que não puderam ser
vivenciadas pessoalmente no interior de uma instituição tradicionalmente
compreendida em termos foucaultianos, isto e, de vigilância e punição.
Mas
paremos por aqui. E prometo que vou estudar o assunto.
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