sábado, 22 de setembro de 2012

Ler é preciso

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A semana de prova me faz refletir sobre o porquê de nossos alunos serem tão pouco dados aos estudos. Na verdade, se fossem mais um pouco dedicados, se fossem leitores razoáveis, ou mesmo esporádicos, teríamos resultados distintos daqueles que nos desapontam muitas vezes.

Como me proponho sempre refletir sobre os condicionantes históricos responsáveis pelos comportamentos estudantis locais, em vez de simplesmente rotular ingenuamente os alunos de displicentes ou desinteressados, acabo por refletir, algumas vezes, sobre a minha infância e meu perfil de estudante como uma forma de tentar compreender o aluno de hoje, embora pertençamos a momentos distintos no espaço e no tempo, considerando que o espaço se transforma com o tempo.

Lembro-me de que tinha fama de inteligente. Com o tempo percebi que há uma diferença entre o rotulado de inteligente e o informado ou intelectual. O inteligente capta bem os assuntos da aula, sobretudo quando se priorizam as habilidades mnemônicas, como era no meu tempo. Memorizava facilmente páginas e páginas de exercícios, fórmulas matemáticas, tabuada, regras de português. Era, definitivamente, o aluno inteligente. Lembro-me de ter lido um livro em toda a minha vida de estudante da educação básica, uma biografia de Hitler, embora tivesse contato diário com os livros didáticos que recebia das escolas. Depois do ensino médio li inteiramente a bíblia e sempre mantive contato com os textos bíblicos, mas definitivamente não era informado.

Com o tempo percebi que ser inteligente do modo como me consideravam não era o suficiente. Percebi isso sobretudo quando comecei a lecionar, há uns onze anos, e era solicitado sobre assuntos os mais variados. Ao ingressar no curso normal superior, no mesmo período, senti-me atraído por algumas leituras, sobretudo filosóficas. A partir daí dei início a uma atividade de leitura que mantenho até hoje, embora nesse período todo talvez não tenha percorrido integralmente mais de uma centena de livros. 

O que quero dizer com essa história toda é que se quando eu era criança não tinha estímulos no meu entorno para iniciar uma prática efetiva de leitura é muito provável que os alunos de hoje estejam na mesma situação, embora rodeados de livros, o que não era o meu caso. A biblioteca escolar que frequentamos cotidianamente é imensa, variada e atraente, mas não temos um número significativo de leitores, a começar, acredito, por nós, professores. Um sem-número de outros atrativos atuais, sobretudo tecnológicos, ajudam a afastar cada vez mais nossos alunos da biblioteca.

Eis aí, pois, um grande desafio para as escolas públicas: formar leitores! Gabo-me de haver estimulado a prática de leitura na vida de alguns alunos e de minhas filhas, inclusive, e acredito que o sucesso que eles têm na escola é resultante da atividade de leitura.

Que possamos levar essa prática adiante.

Um comentário :

  1. Muito bom Sulo! esse texto, sobre tudo, pelo testemunho sincero do início da tua experiência com os livros e as os constrangimentos – “as saias justas” – a que era submetido quando inquirido pelos alunos sobre assuntos diversos.

    Imagino como deve ser frustrante para um professor comprometido de fato, com a formação dos seus alunos, deparar com uma classe quase analfabeta, e, após todo um período letivo não vê praticamente nenhum progresso com relação ao domínio da palavra escrita, sendo que, o sucesso deles, durante o período escolar (e sobre tudo após), depende disso.

    No nosso tempo, e em tempos anteriores ao nosso, livros eram raros. Bibliotecas só existiam em cidades maiores, por tanto quase inacessíveis para nós, o que justifica em parte, o fato de termos lido pouco. Hoje, como você disse, as bibliotecas estão por ai, abarrotadas de títulos e assuntos interessantíssimos, e, sobre tudo, importantíssimos! Nem por isso vemos crescer o interesse por leitura.

    Não é o foco do assunto, mas creio que cabe aqui um “toque de economia” lembrando uma lei importante na regulação do mercado - lei da oferta e da procura. Segundo essa lei, quanto mais raro for, determinado produto, tanto mais caro ele será. A palavra caro se não refere aqui, ao custo propriamente, mas ao valor, à importância.

    Concordo contigo quando diz: “Um sem-número de outros atrativos atuais, sobretudo tecnológicos, ajudam a afastar cada vez mais nossos alunos da biblioteca”. Seria isso uma indicação de que os livros já se tornaram obsoletos, e que já não se prestam como suporte de apoio na educação das nossas crianças e jovens? Estariam eles (os jovens) indicando que está na hora de lançar mão, de uma vez por todas, desses outros recursos bem mais atraentes?

    Sei que em Regiões mais “desenvolvidas” isso já é fato, mas continuo tendo cá meus receios. Aparatos eletrônicos podem ser bons para divulgar, transmitir informações, mas, na guarda do conhecimento, o velho e bom (e fiel) livro continuará útil por muito tempo! Alem disso, é muitíssimo mais fácil "acessar"!

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