sábado, 9 de março de 2013

O adeus de uma grande mulher e outras considerações

Edilene (Dila)
Não pude escrever nada por ocasião do último 8 de março. Exatamente ontem assisti e sofri o adeus de uma grande mulher, minha irmã Edilene, exemplo de força, coragem e solidariedade. Aproveito, entretanto, este momento posterior para falar dela e das mulheres em geral, sobretudo da forma como as tenho considerado em minha prática educativa.

Conforme deixou registrado no último escrito seu (ela fez vários textos mas os destruiu a todos), minha irmã fez de tudo pra nos privar de todo o sofrimento que se abatera sobre sua vida desde o início do ano. Em nenhum momento permitiu a presença de irmãos e pais junto dela e sempre se mostrou forte e consoladora a despeito de ela estar na condição de alvo de consolação e encorajamento. Mesmo alguns minutos antes da cirurgia ela me ligou e se colocou na situação de quem estava oferecendo consolo e encorajamento, ainda que vacilante e quase afônica, e, para minha dor e vergonha posterior, não retribuí no momento na mesma medida ou além dela.

A força e ânimo de Edilene é sinal da força da mulher que não é menor em grau ou extensão que a dos homens nem é a mulher inferior ao homem de maneira nenhuma que justifique qualquer forma de opressão daquelas. O semideus Aquiles empunhou uma espada tanto quanto a heroína francesa Joana D'Arc. Esta uma personagem história real, aquele um ser carregado dos ornamentos divinos próprios da mitologia dos gregos. E, ainda no contexto dos cantos homéricos, quem diria que Penélope foi inferior nos seus esforços contra os pretendentes – tão mais reais e cotidianos – aos de Ulisses contra as intempéries míticas de seu retorno à Ítaca!

A história, posto que espaço masculino, não está de todo esvaziada de evidências da presença feminina, a despeito da tentativa dos escritores de mantê-la sempre à parte. E os vestígios, ainda que alardeados apenas os que apresentam as marcas do homem, não silenciam quando são investigados do ponto de vista de uma história das mulheres. É fato, porém, que historicamente o que foi preservado o foi do ponto de vista de uma história dos homens.

Embora me faltem no momento elementos de pesquisa que deem conta dessas afirmações é inegável que a história do gênero humano é uma história de conflitos, tensões, de lutas em que predominou por muito tempo uma configuração social com papeis próprios para homens e mulheres em que estas foram submetidas a situações indignas, desumanas, cruéis, mas não de pura submissão, condescendência, e sim de conflitos mesmos, subversão, negociações, perdas e ganhos cujos benefícios parecem beneficiar as mulheres melhor no tempo presente.

Se na aparentemente tirânica Esparta as mulheres atenienses eram as que “davam à luz homens de verdade”, na Atenas democrática as mulheres e os escravos eram excluídos da cidadania. E foi uma mulher, Diotima, e não o homem Sócrates, que Platão escolheu para expressar a sublimidade do eros platônico. No Antigo Testamento hebraico as mulheres hebraicas também profetizavam ou exerciam muito grande influência em seus governos, o que demonstra a existência de espaços conquistados não por dádiva masculina, mas como evidência das tensões em torno da constituição dos papeis sociais em todo o tempo e lugar. No Novo Testamento, a despeito da visão geral que se mantém desse documento como espaço machista, sabemos da influência feminina na corte de Herodes e no serviço cristão da Igreja Primitiva. Na Idade Média, convencionalmente vista como escuridão machista e ignorante e submissão da mulher, sabemos também desses conflitos, principalmente das senhoras viúvas que precisavam se estabelecer em seus domínios quando da morte dos cavaleiros, enfrentando cortes compostas por homens e leis que as queriam maltratar[1]. Não se quer aqui subestimar a opressão masculina, mas afirmar que em vez da pura submissão houve o seu par, a resistência, que apesar de tudo não tornou a situação igualitária.

Enfim, e a título de encerramento, é preciso ver a história também como história das mulheres, da opressão mas também da resistência, da desigualdade de gênero mas também da luta contra a desigualdade. O momento presente parece ser um ápice dessas lutas, mais muito ainda falta, inclusive uma compreensão coerente do que é realmente a dignidade feminina, pois há confusão sobre o que seria isso. Uma questão a ser discutida é: que papeis são atribuídos hoje às mulheres e a quem servem? Sabemos que a lógica do capital submete as mulheres e a erotização feminina à logica do mercado sob a roupagem da liberdade sobre o próprio corpo. Há muitos outros aspectos da famigerada liberdade da mulher que precisam ser questionados hoje, pois isso favorece o direcionamento das lutas para o front em que elas de fato devem ser travadas. Esta é a minha forma de dar neste 09 de março o meu parabéns fora de data a todas as mulheres e lembrar a recente luta de minha irmã, uma grande mulher.


[1] Cf. MACEDO, José Rivair. A mulher na Idade Média. 5 ed. São Paulo: Contexto, 2002, p. 35-38.




3 comentários :

  1. A evolução da sociedade fez surgir a mulher chefe de família, empreendedora, trabalhadora, batalhadora. No entanto, ainda existem homens e mulheres que não exergaram a luz dessa nova realidade e insistem na manutenção da submissão das mulheres aos seus maridos, pais e companheiros.

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    1. Muito bem, Sérgio Gomes!

      E ainda se subestima.

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  2. Em 08 de março de 1911, mais de um milhão de mulheres comemoraram, pela primeira vez, o Dia Internacional da Mulher.
    Em 08 de Março de 2013 eu chorei pela morte de uma...( Dila ) Saudades...

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