terça-feira, 26 de novembro de 2013

Políticos na sala de aula

http://al.to.gov.br
Numa aula de sociologia hoje apresentei à turma os 24 deputados da Assembleia Legislativa do Tocantins. É uma turma de 3ª série e estamos estudando aspectos políticos, econômicos e étnicos do estado. Veio-me à mente o fato de que os alunos do ensino médio podem concluir o curso e não conhecerem sequer a quantidade de deputados que a nossa Assembleia Legislativa tem.

Mas a ideia não era apenas fazer conhecer os deputados aos alunos. Iniciei a aula falando-lhes sobre o fato de ano que vem ser ano eleitoral e não termos critérios definidos para escolhermos os candidatos – ou, aliás, nós os temos mas viciados, pois se baseiam no interesse pessoal ou simplesmente na indicação do cabo eleitoral, do representante político, do assessor, do pai, etc.

Orientei-lhes que estejam atentos à ideologia política à qual determinado candidato está filiado. O que na verdade é um problemão, pois não há ideologias políticas definidas no estado, ao que parece, pois os políticos mudam de partido sempre que a lei permite e fazem as pazes com aqueles que antes lhes pareciam inimigos mortais. De qualquer modo a ideologia política será um elemento importante quando o candidato souber que o eleitor a considera importante.

Além da ideologia política, que estivessem também, orientei-lhes, atentos ao segmento social representado por um candidato. Ele representa o empresariado, o agronegócio, os servidores públicos, os trabalhadores, a qualidade do ensino ou da saúde, a segurança, a qualidade das vias de transportes, etc.? Isso é essencial, pois muito provavelmente um defensor ferrenho do agronegócio não seja muito simpático às questões ambientais, ou um político afeito à indústria não privilegie os direitos trabalhistas. Entretanto, para que esses critérios comecem a ser observados pelos eleitores critérios viciados como os do interesse particular precisam ser preteridos. Há ainda aqueles que simplesmente defendem o governo, a governabilidade, ficando qualquer outro interesse em condição secundária. Esses políticos parecem beneficiar-se com essa atitude, na medida em que o acesso a cargos e funções em órgãos do estado lhes são disponibilizados, além de outros privilégios específicos dos que compõem a base do governo. Aliás, até a mentalidade popular parece não reconhecer vantagens em políticos de oposição, pois estes não podem ajudar a ninguém.

Depois disso passamos a observar os deputados tocantinenses dispostos em página específica do site da Assembleia Legislativa[1], alguns familiares, outros não, alguns tão díspares e distantes, outros “do quintal de casa”. Isso não importa – ano que vem provavelmente baterão às nossas portas e confrontá-los de forma responsável tornará nosso estado melhor e, por extensão, nosso país.



[1] Cf. <http://www.al.to.gov.br/perfil> Acesso em 27/11/2013.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Piaget na sala de aula

Web
O legal de se ter lido Jean Piaget (ou sobre ele) é que o caráter empírico de suas teses são revividos em nossas experiências cotidianas. É assim que sei que quando meu filho, que está no pré-escolar, escreve a palavra “GATO” utilizando apenas as vogais “A” e “O”, é porque ele encontra-se numa fase de construção da escrita alfabética denominada de hipótese silábico-alfabética[1]. Não tenho uma compreensão de todas as fases desse processo, mas sempre que me deparo com a hipótese silábico-alfabético a consigo reconhecer e valorizar a obra do psicogeneticista suíço.

Observar meu filho caçula durante os jogos com amiguinhos ainda me permite perceber uma dimensão constituinte da obra piagetiana, que é sua teoria moral.  Vê-lo mudar as regras do jogo a cada sinal de derrota ou ameaçar recomeçá-lo é um traço específico da fase de desenvolvimento da moralidade em que a consciência das regras por parte da criança é praticamente inexistente ou que não é objeto de reflexão. Na escola posso reconhecer, vez por outra e, ainda que grosseiramente, o caráter egocêntrico próprio das crianças perceptível em alunos que já deveriam ter passado à fase da autonomia moral e que já deveriam reconhecer a importância da solidariedade no convívio social. É o caso dos que fazem biquinhos, ameaçando não fazer as atividades quando os livros da biblioteca não existem em número suficiente para cada aluno numa determinada aula e você faz cópias do texto para alguns, ou daqueles que olham cada cópia dos colegas para saber se são exatamente iguais à sua, etc. É muito comum ainda o comportamento heterônomo dos que cumprem a regra por medo das punições.[2]

Se, portanto, a teoria de Piaget previa que nem todos desenvolvem a moralidade até a fase da autonomia podemos assumir que mesmo a anomia, enquanto primeiro estágio do desenvolvimento moral, é bastante frequente nas escolas de ensino fundamental e médio. Acredito, entretanto, que os adolescentes não ignoram as regras em razão de uma completa ignorância destas ou dos processos de convenção social aí inerentes, mas sim por conta do exacerbado individualismo que faz boa, com plena consciência do sujeito moral, a regra que me faz bem ainda que em prejuízo dos outros.




[1] Para uma compreensão das várias fases de aprendizagem da escrita alfabética conferir <http://revistaescola.abril.com.br/avulsas/teste-hipoteses-de-escrita-dos-alunos.shtml> Acesso em 18/11/2013.
[2] Para uma compreensão mais apurada dessas fases do desenvolvimento do juízo moral na criança leia-se O juízo moral na criança, de Jean Piaget.

domingo, 10 de novembro de 2013

Ouvir ou não ouvir Djavan

Djavan (Web)
Um dia desses presenciava uma troca de ofensas entre amigos por causa de gostos musicais.[1] Um deles, como que fugindo às origens do grupo social de relações imediatas, estaria ouvindo Djavan com a companheira. Para o outro amigo não é o tipo de música que se ouve ou vê senão em momentos em que se quer dormir e a música serviria, então, de canção de ninar. Para aquela hora da noite – ou do dia – cairia melhor um Aviões do Forró ou qualquer outra música embalada. O outro amigo revidava ao afirmar que seu interlocutor “não tem cultura”.

Três conclusões me chamaram à atenção durante a discussão dos amigos: 1) Djavan não é cantor para as massas; 2) Ouvir Djavan, mesmo que para agradar à companheira/ao companheiro, só faz sentido pra quem tem “cultura”; 3) Apreciar aquilo que não faz parte das práticas culturais regulares de nosso grupo de contatos imediatos pode atrair a crítica zombeteira desse grupo e o gradual isolamento de quem se aventura por mundos culturais que não o seu.

Devo dizer que não pretendo discutir essas conclusões, mas dizer ainda que a discussão me chamou à atenção por dois motivos. Primeiro porque considero que muito do meu gosto cultural não é direcionado para os mesmos elementos culturais dos grupos em que estou imediatamente em contato; segundo, porque a reflexão sobre o gosto artístico é um dos temas que pretendo desenvolver na disciplina de filosofia na 3ª série do ensino médio até o final das aulas. O primeiro motivo já me vale a referência do “isolado” por parte de alguns. Minhas atividades diárias, que envolvem leitura, certos tipos de filmes além dos considerados normais e variações musicais que ouço praticamente sozinho justificam o meu suposto isolamento, enquanto que o segundo motivo tem me ajudado a compreender que não sou diferente no sentido de que teria um espírito mais agudo para confrontar meus sentidos ou intelecto com elementos considerados “superiores” da cultura, mas que a diversificação ou direcionamento de meus sentidos e intelecto para esses elementos culturais ocorrem exatamente a partir do movimento iniciado com o exercício mesmo de atividades que gradativamente direcionam nosso gosto para novos elementos.

É exatamente neste sentido que tem sua razão de ser a expressão “tem cultura” ou “não tem cultura”, embora tais expressões sejam em si mesmas preconceituosas ao reduzir a cultura aos elementos artísticos da cultura erudita.

Já discuti com os alunos que a arte precisa ser compreendida também a partir do contexto de sua produção, o que nos remete às ideias de arte erudita, arte popular e arte de massas. Neste sentido não se poderia dizer que as massas ou que a população que não tem acesso às culturas consideradas mais elevadas do saber e da ciência não têm cultura, mas sim que, por fazerem parte de contextos de relações reais diferentes em vários aspectos, produzem e compartilham de elementos culturais distintos dos das classes abastadas. Assim, do mesmo modo como as classes da alta cultura produzem e socializam toda uma produção artística que encontra no interior dessas mesmas classes altas uma linguagem comum, matizada de elementos filosóficos, científicos e linguísticos que diferem dos das classes baixas, assim também é correto dizer que a arte e cultura populares, a seu modo e a partir dos saberes de que dispõe, expressa a mesma tentativa de atribuir significado às demandas existenciais em que tais classes estão inseridas. Neste sentido, a arte popular não seria uma aparência de arte, das artes eruditas, mas compartilharia com estas as mesmas pretensões de dar sentido à vida ao mesmo tempo em que realiza sua função de envolver os sentidos humanos numa aventura sinestésica que é muitas vezes indicada como a principal função da arte. Apenas a arte de massa apresenta diferenças em relação às anteriores no que diz respeito à sua funcionalidade, uma vez que a de massas se presta a anestesiar as massas para não perceberem a complexidade do real e a induzirem para os propósitos do consumo e, consequentemente, da acumulação capitalista.

É nesse ponto em que pretendo intervir enquanto professor: ajudar os alunos a compreender que o seu gosto por esta ou aquela música, por esta ou aquela atividade ou programação televisiva é construída nos contextos de relações sociais imediatas do grupo de que fazem parte, da mesma forma que o gosto artístico das classes altas. Estas alegavam ser algo inato o seu gosto cultural, tese derrubada pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu e apresentada em sua obra A distinção: crítica social do julgamento. A tese termina também por derrubar a ideia de que se não compartilhamos do gosto cultural das elites isso se dá em razão de nosso próprio nascimento, de sangue comum.

Disso tudo podemos concluir que uma formação que preza os elementos da cultura erudita naturalmente induzirá alguém a se aproximar dos valores culturais das classes altas, o que não deverá implicar, naturalmente, em abandonar os elementos da cultura popular sob pretexto de que não é cultura. Do mesmo modo, o envolvimento completo das massas pela produção artística destinada à alienação das classes baixas denuncia a má formação destas como fator de permanência nas situações de alienação.

E poderíamos muito bem curtir Djavan ao mesmo tempo em que valorizamos nossas práticas culturais locais, em prejuízo da hegemonia da cultura de massas alienada e alienante.  





[1] Seguem dois textos, dentre vários outros, que contribuíram para esta escrita: <http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/uma-introducao-a-pierre-bourdieu/> e <http://www.infoescola.com/artes/o-que-e-arte/>