terça-feira, 22 de outubro de 2013

Sobre a Liberdade

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Neste bimestre um dos temas de discussão em filosofia no ensino médio é a liberdade. Aprendi que os alunos têm uma concepção de liberdade que precisa ser compreendida devidamente antes que se discuta qualquer ideia sobre o assunto própria das discussões filosóficas, sob pena de essas discussões terminarem improdutivas.

A ideia geral de liberdade mantida pelos alunos é a de ausência de impedimentos para se fazer algo. É uma ideia de liberdade que também considero válida, posto que difundida, compreendida e utilizada cotidianamente nas interações com os outros. Alguns alunos em geral dizem que não somos livres se há leis ou regras que nos impedem de fazermos o que temos vontade de fazer num dado momento.

Ao introduzir o estudo da liberdade a partir de vários autores discuti com alguns alunos, a começar pela obra de Guilherme de Ockham, que a liberdade, ainda que signifique a possibilidade de se escolher entre o sim e o não envolve também assumir a responsabilidade pela decisão tomada. Neste sentido, digo aos alunos, a presença da lei não é impeditiva da liberdade humana, mas orientadora (como bem observou uma aluna durante uma discussão) ou punitiva para as escolhas que interferem no equilíbrio das relações humanas. A lei não é um impedimento às ações humanas e isso pode ser exemplificado inclusive pela desobediência às regras em geral que orientam ou punem as relações interpessoais.

Costumo chamar a atenção dos alunos para um aspecto especial em relação à liberdade, que é se quando agimos o fazemos livremente ou se somos simplesmente induzidos inconscientemente para praticarmos ações que na verdade não escolhemos praticá-las. Os alunos em geral acreditam-se livres, neste aspecto, sobretudo ao mencionarem animosamente a liberdade de ação em relação à tutela dos pais nos dia atuais. Noutras palavras, consideram-se absolutamente livres enquanto sujeitos de ação. Naturalmente referem-se à possibilidade de irem às festas sem pedir ou submeterem-se a horários, vestirem-se como querem, namorarem livremente e agirem em geral diferentemente de como os jovens de há algumas décadas atrás agiam.

Certa vez lhes confrontei afirmando que o fato de os pais terem perdido poder sobre a conduta dos filhos não os torna agora livres como pensam. Digo-lhes que houve uma simples troca de submissão, daquela dos pais para a dos padrões normativos ditados pelos meios de comunicação, que estabelecem modos de ser e agir específicos para os jovens das gerações atuais. Pergunto-lhes que músicas ouvem, que filmes veem, a que programações televisivas assistem, que roupas vestem, que esportes praticam, que penteado exibem e o que leem ou por que não leem. Se os pais não mais controlam esses gostos dos filhos não significa que eles próprios os escolhem, mas que simplesmente aderem aos padrões estabelecidos pelas propagandas em geral. Alguém poderia julgar livre um jovem que exibe um moicano e biruta um que usa calças jeans lisas tradicionais. Mas perguntemos: quem está fugindo de padrões estabelecidos? Quem mais parece livre?

Não se trata de relacionar liberdade à subversão pura e simples mas de estimular a reflexão sobre se há liberdade quando nosso comportamento é completamente condicionado pelo ambiente externo de forma inconsciente e se há alguém que ganha com isso.

A discussão sobre a liberdade, que começou com Ockham, continuará com Etienne de Lá Boètie, Rousseau e Sartre. Até lá espero aprender bastante com meus alunos sobre a liberdade e até que ponto somos ou não livres.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

A voz da consciência[1]




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O que nos orienta no que fazemos cotidianamente? A pergunta é pertinente porque acreditamos agir corretamente inclusive no nosso trabalho.


A ideia de que há algo exterior a nós que orienta nosso comportamento e nossas decisões parece bem antiga. Sócrates fala do seu demônio, que o orientava em sua missão de, através da maiêutica, aperfeiçoar os homens, trazendo à luz novas ideias assentadas na própria essência das noções que aqueles julgavam compreender e exercitar. Não se tratava de um mau demônio e muitas vezes Sócrates referia-se a ele como o deus.[2]


O cristianismo vai apresentar, através do apóstolo Paulo, a ideia de que mesmo os pagãos que não conheciam o decálogo hebreu disporiam da lei da consciência para os orientar. Compreende-se, a partir do que Paulo escreveu, que os preceitos universais de Deus constantes das duas tábuas seriam apreensíveis a qualquer homem de qualquer cultura.[3] Ninguém estaria, portanto, isento de um julgamento sob o pretexto de que ninguém lhe havia revelado a moral universal. O livro de Atos parece sugerir ainda a presença constante de um anjo que auxilia os cristãos, embora neste caso a orientação pareça estar substituída por uma ação de cunho protetora.[4] O medo moral de estar só parece ter surpreendido até mesmo Nietzsche, que vai supor conversas suas entre ele e sua sombra, embora seja sabido que a sombra, no caso do filósofo, pareça mais um elemento de diálogo do que de exteriorização de uma consciência orientadora.[5]


Enfim, é possível estar só no que diz respeito às orientações sobre o que fazemos? Jean-Paul Sartre, para quem somos condenados à liberdade, orienta aos homens que construam sua própria essência, que é sempre posterior à existência, fundamentados numa ideia de liberdade que assume a responsabilidade de si e dos outros.[6] O fato é que estamos rodeados de exemplos novos e antigos, elementos normativos das religiões e conteúdos do conhecimento das várias áreas que, a despeito de divergirem sobre a validade universal ou não de suas proposições, parecem suficientes para não nos deixarem num vazio de orientações em cada ação, decisão, atitude.





[1] Este texto não resulta de uma motivação de sala de aula, como os demais, mas de uma motivação de escrever que me acompanha sempre.

[2] Cf. PLATÃO. Apologia de Sócrates. São Paulo: Martin Claret.

[3] Cf. Romanos, cap. 1 e 2.

[4] Cf. Atos 12.15.

[5] Cf. Friedrich NIETZSCHE. O viajante e sua sombra.  São Paulo: Escala. Não li o livro inteiro, então posso estar enganado sobre as conclusões que fiz sobra a relação entre o filósofo e sua sombra.

[6] Cf. Jean Paul SARTRE. O existencialismo é um humanismo. Li uma versão digital.