sexta-feira, 4 de outubro de 2013

A voz da consciência[1]




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O que nos orienta no que fazemos cotidianamente? A pergunta é pertinente porque acreditamos agir corretamente inclusive no nosso trabalho.


A ideia de que há algo exterior a nós que orienta nosso comportamento e nossas decisões parece bem antiga. Sócrates fala do seu demônio, que o orientava em sua missão de, através da maiêutica, aperfeiçoar os homens, trazendo à luz novas ideias assentadas na própria essência das noções que aqueles julgavam compreender e exercitar. Não se tratava de um mau demônio e muitas vezes Sócrates referia-se a ele como o deus.[2]


O cristianismo vai apresentar, através do apóstolo Paulo, a ideia de que mesmo os pagãos que não conheciam o decálogo hebreu disporiam da lei da consciência para os orientar. Compreende-se, a partir do que Paulo escreveu, que os preceitos universais de Deus constantes das duas tábuas seriam apreensíveis a qualquer homem de qualquer cultura.[3] Ninguém estaria, portanto, isento de um julgamento sob o pretexto de que ninguém lhe havia revelado a moral universal. O livro de Atos parece sugerir ainda a presença constante de um anjo que auxilia os cristãos, embora neste caso a orientação pareça estar substituída por uma ação de cunho protetora.[4] O medo moral de estar só parece ter surpreendido até mesmo Nietzsche, que vai supor conversas suas entre ele e sua sombra, embora seja sabido que a sombra, no caso do filósofo, pareça mais um elemento de diálogo do que de exteriorização de uma consciência orientadora.[5]


Enfim, é possível estar só no que diz respeito às orientações sobre o que fazemos? Jean-Paul Sartre, para quem somos condenados à liberdade, orienta aos homens que construam sua própria essência, que é sempre posterior à existência, fundamentados numa ideia de liberdade que assume a responsabilidade de si e dos outros.[6] O fato é que estamos rodeados de exemplos novos e antigos, elementos normativos das religiões e conteúdos do conhecimento das várias áreas que, a despeito de divergirem sobre a validade universal ou não de suas proposições, parecem suficientes para não nos deixarem num vazio de orientações em cada ação, decisão, atitude.





[1] Este texto não resulta de uma motivação de sala de aula, como os demais, mas de uma motivação de escrever que me acompanha sempre.

[2] Cf. PLATÃO. Apologia de Sócrates. São Paulo: Martin Claret.

[3] Cf. Romanos, cap. 1 e 2.

[4] Cf. Atos 12.15.

[5] Cf. Friedrich NIETZSCHE. O viajante e sua sombra.  São Paulo: Escala. Não li o livro inteiro, então posso estar enganado sobre as conclusões que fiz sobra a relação entre o filósofo e sua sombra.

[6] Cf. Jean Paul SARTRE. O existencialismo é um humanismo. Li uma versão digital.

4 comentários :

  1. O assunto é bastante complexo mas bem pertinente. Entendo que o fato do homem ter sido criado segundo a imagem e semelhança do Criador, implica também na responsabilidade moral e na necessidade de culto. Embora nem sempre exista uma leitura perfeita desta necessidade, talvez em razão da natureza original comprometida ainda no Éden.

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    1. Muito bom, Admir!

      Dada a multiplicidade de religiões cristãs que se assumem portadoras do conhecimento adequado sobre o retorno à natureza original, além das não cristãs, mas que também assumem a ideia de algo parecido com "a queda", qual a garantia de estarmos no caminho certo? E haveria algo fora do cristianismo coerente com essa verdade?

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  2. Sulo, a questão não se resolve apenas no campo da ciência e nem teológico. Particularmente o que me conforta é a fé que cultivo em Jesus Cristo, ao meu ve,r o único acesso do homem a Deus; A questão é se eu estivesse em um outro contexto bem distante do Cristianismo, por exemplo tivesse nascido num país árabe, será que teria a mesma posição? Mesmo assim, continuo focado em Jesus, embora não consigo entender o porque deste contexto, não vejo outra saída para a humanidade.

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    1. Se estivesse num contexto cristão quase que necessariamente não veria assim. Por outro lado, o próprio Cristianismo admite a percepção da lei da consciência como algo universal e que auxilia qualquer um em qualquer cultura. A questão é, então, os limites dessa consciência universal: ela deve necessariamente incluir o conhecimento sobre o Filho?

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