sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Mudar para o "modo aula"

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A linguagem, enquanto dimensão do social, é palco de tensões e conflitos onde se digladiam interesses distintos, alguns dos quais perecem enquanto outros sobrevivem. Isso vale para a influência que a internet e as redes sociais mantêm sobre a vida social. Prova disso é o internetês: muitos "ortodoxos" que insistem em não reconhecer o caráter dinâmico da linguagem oral e escrita até se posicionam contra as novidades trazidas pela internet, mas no final termina valendo a tese da dinamicidade da língua.

Uma dessas novidades trazidas pela internet para a linguagem cotidiana me surpreendeu um dia desses: diante da iminência do quarto bimestre - ou até mesmo já surpreendidos pela sua chegada - vi várias postagens de alunos no facebook que diziam algo em termos de "quarto bimestre - mudar para o modo hard". De início sorri bastante com a novidade, pois é criativa e reveladora do que realmente ocorre com a maioria do alunado, inclusive o nosso aqui, sobre o desleixo nos primeiros bimestres e uma aparente preocupação maior no último. Até respondi "Espero que ainda dê tempo."

Hoje, um pouco irritado com a maioria dos alunos de uma determinada turma, maioria que "fala pelos cotovelos", pedi, ao iniciar uma discussão - na maioria das vezes sempre fica no monólogo ou exposição em vez de uma discussão - que mudassem para o "modo aula". No momento senti-me como numa situação digna de um "eureka!", dada a novidade da expressão, que pelo menos pra mim - acredito que também para os alunos que me ouviram - foi uma novidade, sim.

O estranho tanto para a expressão utilizada pelos alunos para se referir à chegada do quarto bimestre quanto a utilizada por mim é que sua eficácia empírica parece não se confirmar - os alunos que não foram bem nos três primeiros bimestres parecem tão despreocupados em relação ao final do ano letivo quanto é verdade que uma turma não muda para o "modo aula" apenas ouvindo essa expressão, infelizmente.

No final das contas pelo menos podemos nos surpreender com as possibilidades da linguagem.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Dia de índio

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A temática indígena ontem esteve bem presente na minha rotina. À tarde vi rapidamente postagens no facebook sobre o anúncio de suicídio coletivo de índios Guaranis Caiovás no Mato Grosso do Sul enquanto à noite travei um diálogo acirrado com alunos do ensino médio sobre os indígenas no Brasil, ao introduzir a temática “História dos povos indígenas do Tocantins”, constante da proposta curricular que a inclui entre os conteúdos a serem ministrados no ensino médio.

Impressionante o quanto ignoramos a questão indígena ou temos uma visão equivocada das relações que se devem estabelecer entre indígenas e não-indígenas no território brasileiro! Neste caso, a visão que muitos alunos apresentam é nada mais nada menos que aquela que foi ensinada durante muito tempo pela escola ou que é compartilhada por pessoas que têm uma visão desenvolvimentista do país, segundo a qual os índios se apresentam apenas como empecilho ao desenvolvimento. E na condição de professor, uma vez ciente da força desse pensamento anti-indígena presente inclusive na nossa comunidade, acredito que é minha responsabilidade situar os alunos numa análise dos condicionantes históricos que geraram esse tipo de pensamento, em vez de simplesmente taxá-los de desumanos, capitalistas ou coisa do tipo. Percebe-se a partir disso o quanto a escola historicamente tem ignorado temáticas importantíssimas para a garantia de direitos a todos os brasileiros e, portanto, acirrado o pensamento e atitude de não indígenas contra cerca de 230 etnias indígenas que habitam o país, um número significativo, a despeito de cinco séculos de extermínio em que mais de cinco milhões de índios se reduziram a menos de 5% da quantidade original.

Reavaliar as ações docentes pode ser uma alternativa para que futuramente não estejamos assistindo a grupos indígenas anunciarem o próprio suicídio diante de uma indiferença governamental que só não é maior do que a indiferença dos brasileiros em geral. O mesmo se pode dizer em relação a muitos outros grupos historicamente massacrados, como aqueles que não dispõem de terra para trabalhar, por exemplo, em razão dos processos tradicionais de distribuição de terra no Brasil (capitanias, sesmarias, grilagem). Para muita gente, sem-terra e indígenas representam apenas atraso para o país, uma vez que a ideia de humanização e convívio pacífico dos povos foi substituída pela de produção e consumo inconsequentes.

Este é o Brasil – e por que não dizer o mundo! – das desigualdades. E estes somos nós, seres “humanos”.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Just another brick in the wall

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Hoje é dia pra meditar na essência da nossa profissão, sobre o sentido do nosso trabalho, pois isso determina a qualidade do que fazemos em sala de aula. Sócrates queria ensinar valores fundamentais a uma sociedade cada vez mais individualista, afetada pelo desenvolvimento econômico propiciado pelo expansionismo ateniense, daí sua insistência em questionar sobre o que as pessoas realmente entendiam sobre os valores que anunciavam vivenciar hipocritamente.

Os sofistas, por outro lado, queriam aproveitar o momento de ascensão de uma nova classe, a burguesia, e auxiliá-los no conflito contra as tradicionais aristocracias. O espaço propiciado pelos espaços democráticos poderia ser conquistado por quem tivesse ótimas habilidades retóricas – eis aí, então, a missão dos sofistas: preparar jovens das classes ascendentes para o usufruto do poder político. Os sofistas faziam isso por dinheiro, o que desagradava muito a Sócrates, que via no ensino a oportunidade de melhorar as pessoas, não torná-las meros oportunistas diante das novas situações que se formavam.

E qual seria o sentido da nossa atividade hoje? De algum modo temos um pouco de Sócrates e dos sofistas, na medida em que pretendemos formar um indivíduo ético para atuar num contexto de individualismo, pragmatismo, relativismo moral e hipocrisia, enquanto a influência sofista nos motiva a preparar pessoas para terem sucesso nesse contexto. As coisas parecem nos indicar que não temos tido sucesso numa coisa ou noutra, mas de algum modo nossos alunos, ou por influência nossa ou do contexto geral mais amplo, estão se adequando mais às exigências do modelo capitalista em vigor do que as enfrentando.

De algum modo poderíamos dizer que, na condição de professores, fazemos algo que compreendemos apenas vagamente. Acredito que é muito raro alguém se questionar por que lecionamos para alunos em turmas, revezando-se nas mesmas salas de aula com colegas de profissão, preparando alunos para o trabalho num contexto de acentuada automação.

Para Gilberto Luiz Alves, compreender a função da escola em qualquer tempo tem a ver com a compreensão de seus condicionantes materiais, isto é, “o entendimento histórico de seu processo de produção.”[i] Referindo-se de forma bem simplista ao pensamento deste autor, vale dizer que a função da escola em determinado momento histórico deve ser compreendida sem se ignorar as demandas maiores do capital.

No momento não disponho de coragem para tentar resenhar suas principais teses sobre o modo como a escola se produziu historicamente e o modo como a escola atende hoje às especificidades do atual momento econômico. Apenas afirmo que ignorar uma análise desse tipo é como atirar no vento e ainda se achar portador de uma certa nobreza decorrente de uma função que nem sequer sabemos bem a que interesses atende.

De qualquer modo, a nobreza da profissão docente precisa ser construída a partir de uma compreensão do que fazemos e do que devemos fazer na condição mesma de professores.


[i] ALVES, Gilberto Luiz. A Produção da Escola Pública Contemporânea. 4 ed. São Paulo: Autores Associados, 2006, p. 1).