segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Just another brick in the wall

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Hoje é dia pra meditar na essência da nossa profissão, sobre o sentido do nosso trabalho, pois isso determina a qualidade do que fazemos em sala de aula. Sócrates queria ensinar valores fundamentais a uma sociedade cada vez mais individualista, afetada pelo desenvolvimento econômico propiciado pelo expansionismo ateniense, daí sua insistência em questionar sobre o que as pessoas realmente entendiam sobre os valores que anunciavam vivenciar hipocritamente.

Os sofistas, por outro lado, queriam aproveitar o momento de ascensão de uma nova classe, a burguesia, e auxiliá-los no conflito contra as tradicionais aristocracias. O espaço propiciado pelos espaços democráticos poderia ser conquistado por quem tivesse ótimas habilidades retóricas – eis aí, então, a missão dos sofistas: preparar jovens das classes ascendentes para o usufruto do poder político. Os sofistas faziam isso por dinheiro, o que desagradava muito a Sócrates, que via no ensino a oportunidade de melhorar as pessoas, não torná-las meros oportunistas diante das novas situações que se formavam.

E qual seria o sentido da nossa atividade hoje? De algum modo temos um pouco de Sócrates e dos sofistas, na medida em que pretendemos formar um indivíduo ético para atuar num contexto de individualismo, pragmatismo, relativismo moral e hipocrisia, enquanto a influência sofista nos motiva a preparar pessoas para terem sucesso nesse contexto. As coisas parecem nos indicar que não temos tido sucesso numa coisa ou noutra, mas de algum modo nossos alunos, ou por influência nossa ou do contexto geral mais amplo, estão se adequando mais às exigências do modelo capitalista em vigor do que as enfrentando.

De algum modo poderíamos dizer que, na condição de professores, fazemos algo que compreendemos apenas vagamente. Acredito que é muito raro alguém se questionar por que lecionamos para alunos em turmas, revezando-se nas mesmas salas de aula com colegas de profissão, preparando alunos para o trabalho num contexto de acentuada automação.

Para Gilberto Luiz Alves, compreender a função da escola em qualquer tempo tem a ver com a compreensão de seus condicionantes materiais, isto é, “o entendimento histórico de seu processo de produção.”[i] Referindo-se de forma bem simplista ao pensamento deste autor, vale dizer que a função da escola em determinado momento histórico deve ser compreendida sem se ignorar as demandas maiores do capital.

No momento não disponho de coragem para tentar resenhar suas principais teses sobre o modo como a escola se produziu historicamente e o modo como a escola atende hoje às especificidades do atual momento econômico. Apenas afirmo que ignorar uma análise desse tipo é como atirar no vento e ainda se achar portador de uma certa nobreza decorrente de uma função que nem sequer sabemos bem a que interesses atende.

De qualquer modo, a nobreza da profissão docente precisa ser construída a partir de uma compreensão do que fazemos e do que devemos fazer na condição mesma de professores.


[i] ALVES, Gilberto Luiz. A Produção da Escola Pública Contemporânea. 4 ed. São Paulo: Autores Associados, 2006, p. 1).

3 comentários :

  1. Não se aflija, professor!

    Imagino que é muito difícil alguém exercer uma atividade/profissão com pleno domínio de causa e efeito. Professores são como operários na construção de uma estrada. Trocam frequentemente de ferramentas, trabalham em turnos, e nunca têm certeza de aonde levará tal estrada. Talvez seja melhor assim...

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    1. É que não me sinto bem rolando a pedra e vê-la despencar o tempo todo, como Sísifo, sem me dar conta do que realmente significa tudo isso, Juno!

      Eis, então, a angústia do trabalho docente tal como se apresenta pra mim.

      De qualquer modo, obrigado pela palavra de ânimo.

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  2. Boa tarde, sou estudante de Mestrado em Comunicação na Universidade de Brasília e vi, pelo Skoob, que você possui o livro "Marxismo e Literatura", do Raymond Williams e "abandonou" a leitura. Você ainda tem interesse em ficar com o livro? Gostaria de compra-lo. Ele é de meu interesse para o curso. Abraços.

    Meu contato: querrerjornalismo@gmail.com

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