quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Fim de ano

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Encerramento de ano letivo é um arrocho terrível - lágrimas, decepções, frustrações - , mas não deixa de ser motivo de muita felicidade para quem foi promovido para a série seguinte ou concluiu o curso. No caso dos primeiros o momento deveria servir de autoavaliação (evento, aliás, que deve ser exercido em todo o tempo), oportunidade para perceber as falhas, a negligência, a brincadeira fora de hora, o desdém pelo saber, a apologia à ignorância feita em cada aceno, palavra, no decorrer do ano letivo. Mas não é bem assim que ocorre.

Uma primeira reação dos que chegam no fim do ano em desvantagem é tentar resgatar momentos isolados, esporádicos, em que demonstraram interesse durante as aulas, sobretudo quando o processo avaliativo (é o caso do que utilizo) leva em consideração a performance do aluno em sala de aula - seu envolvimento nas aulas fazendo perguntas, complementações, arguições, ou pelo menos o fato de estar atento, apesar de silente. Alegam que fecharam as provas, entregaram todas as atividades e que sua performance foi suficientemente digna de coroar a média bimestral com um 10. Embora alguns assumam com sinceridade o modo como agiram durante o ano inteiro é bastante comum que muitos alunos aleguem o contrário.

Há o caso daqueles que começam a estabelecer comparações com quem foi promovido. Há nesta atitude, acredito, um sentimento de desmerecimento, subestimação do outro, sobretudo quando não se leva em conta os vários fatores que compõem a média final: os valores das notas bimestrais, a performance de cada um, a pontuação atingida nas últimas provas e nas atividades. Enfim, para muitos discentes é inadmissível que certos alunos tenham sido promovidos e eles não.

No caso dos alunos que são promovidos sem parada no acostamento não é muito comum, pelo que posso perceber, serem vistos como modelos a serem seguidos. Podem até ser taxados de "babão do professor x ou y", numa expressa, embora sutil, tentativa de fazer sucumbir a verdade de que há bons alunos nas nossas escolas, a despeito de seus exemplos não serem seguidos pela maioria e de se verem aviltados, na maioria das vezes.

Enfim, o espaço escolar é um ambiente em construção onde muitas práticas e discursos se digladiam em busca de sobrevivência. Acredito que nós, professores, podemos ajudar a definir os discursos e práticas que devem permanecer e aqueles que devem ser combatidos.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Padrões de excelência

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Não há objetividade quando se trata de mensurar os resultados escolares que os mais variados tipos docentes constroem no cotidiano a partir do trabalho com os discentes. E isto se deve ao fato de que cada professor estabelece um padrão de excelência que diverge daquele dos seus pares.

Cada professor tem um nível de leitura e de aprendizagem diferente, uma leitura de mundo diferente e expectativas diferentes em relação a esse mesmo mundo, projetadas de acordo com sua leitura de mundo, de clássicos, experiências pessoais, políticas, que de algum modo se imprimem nas exigências ou expectativas que são estabelecidas em relação aos discentes. Significa dizer que quanto mais medíocre for um professor menos expectativas ele manterá em relação aos seus alunos e que uma nota 10 alcançada em sua disciplina será um 10 também medíocre.

Modéstia à parte, minha frustração em relação a muitos de meus alunos tem relação, acredito, com as expectativas não tão medíocres que estabeleço em relação à aprendizagem deles. O que não quer dizer simplesmente que mantenho-me impassível e inflexível frente a suas limitações, sem reconhecer o histórico de tragédias que marcou os processos de ensino e aprendizagem em que estiveram inseridos, o que não vale absolutamente para todos.

Enfim, no interior de uma escola convivem tantos padrões de excelência quantos professores nela atuem, sem falar dos padrões mesmos que a escola mantém enquanto órgão de governo subordinada a metas e exigências oficiais. O professor que muito reprova pode fazê-lo por incapacidade de ensinar, mas também por estar inconformado com padrões de excelência tímidos e medíocres, não obstante também reconhecer o caráter processual do desenvolvimento do aluno – tal desenvolvimento processual nunca deverá servir, porém, de motivo de estagnação, subestimação do verdadeiro potencial dos discentes.

Isso me permite perceber melhor a insatisfação de certos colegas com o desempenho tímido dos alunos, enquanto outros professores sentem-se tão à vontade com os seus medíocres padrões de excelência.

Pra não dizer que não falei das flores

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Neste caso faço questão de falar. Aliás, vou fazer questão de falar das flores sempre neste blog, embora tenha priorizado os aspectos negativos da prática escolar em quase – ou mesmo em todos – os textos.

Temos ótimos alunos, embora estes dificilmente consigam sobressair – às vezes conseguem – em meio à tanta misosofia. São alunos participativos, que dominam muitas informações e possuem um raciocínio bastante acurado.  Há ainda alguns que mesmo não dispondo de uma carga de informações acumuladas e apresentem dificuldades de sistematização do pensamento prestam bastante atenção às aulas. Essa atenção e esses esforços podem, no entanto, e, na maioria das vezes, serem obstruídos pelo comportamento geral da sala, não afeito ao saber e às discussões em torno dele.

Apesar das dificuldades tenho colhido alguns louros. É o caso, inclusive, de algumas atividades de pesquisa e sistematização de informações relativas ao município, como ocorre atualmente através de um projeto de levantamento de informações sobre os impactos que a urbanização trouxe à comunidade, desde a questão mesma do povoamento às questões ambientais dele decorrentes.

Alguns grupos, em ritmo de pesquisadores universitários, realizaram entrevistas, reuniram imagens antigas e elaboraram hipóteses várias sobre a problemática do povoamento local, as questões sobre o lixo, a poluição das águas e do ar, a violência urbana e poluição sonora e visual.

Embora nem todos os grupos – e nem todos os integrantes de cada grupo – tenham demonstrado o mesmo esforço e criatividade na discussão das problemáticas, está sendo possível assistir e orientar a um verdadeiro processo de produção intelectual voltada para a realidade local, em que pesem as diferenças que estes trabalhos tenham em relação ao trabalho dos especialistas.

Vale ressaltar também que durante as aulas, a despeito do longo tempo que passo tentando encontrar um momento de concentração da turma no tema da aula, consigo estabelecer, vez por outra, discussões produtivas com alguns alunos, enquanto outros se prestam a ouvi-las. O problema é que a riqueza dessas discussões não consegue emergir, em se tratando de volume, em meio aos períodos mais gerais de desinteresse e apatia.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Dê sua aula, moço!

Frequentar a sala de aula nos concede a oportunidade angustiante de perceber a dinâmica sutil que as disputas de poder apresentam no cotidiano escolar. Disputas de poder, sim, entre professores e alunos. Não se trata de uma rígida batalha entre forças antagônicas, na medida em que os alunos não são iguais e alguns fogem aos objetivos da maioria da turma. Vejamos algumas dessas manifestações.

Inicialmente cabe dizer que estou meio afastado de leituras pedagógicas que apresentem, porventura, sistematicamente essa dinâmica de relações de poder na sala de aula, suas categorizações específicas, e, em razão disso, apresentarei aqui algo segundo o meu próprio modo de ver as coisas e atribuirei denominações também próprias para as diversas situações representativas dessas manifestações de poder. Cabe também dizer que essas disputas são norteadas por valores que subjazem a todas as atitudes demonstradas por ambos os lados. Na maioria das vezes o professor pode representar uma tentativa de promover o diálogo sadio, a aprendizagem, a formação efetiva dos alunos; da parte da maioria dos alunos, pode tratar-se de como evitar tudo isso. Não por pura oposição ao trabalho do professor ou da escola, mas por não disporem realmente de vontade de aprender, pelo menos não da maneira como eu, professor, considero significativo. Em algumas situações podem simplesmente estar protestando contra o modo de ser ou de agir da escola ou do professor, ou mesmo de tudo. De todo modo, parto aqui da premissa que afirma tratar-se realmente de aversão ao saber que a escola pretende ensinar.

Uma dessas manifestações de exercício de poder dos alunos diz respeito às circunstâncias em que fica evidente sua indiferença em relação às aulas e, que, apesar disso, o professor insiste em chamar sua atenção. Coerentes com a indiferença, preferem manter pares de diálogo em meio tom, pois acreditam que assim não atrapalham  a aula para quem está interessado. Seria uma forma tácita de demonstrarem que o melhor que podem fazer é ficarem sentados no seu lugar numa quase que silenciosa conversa com o colega do lado e que da parte do professor basta que não se importe com isso. Uma expressão típica dessa atitude dos alunos diante dos professores é: “Dê sua aula, moço, e nos deixe em paz!” Pronunciada na maioria das vezes de forma agressiva, a expressão denuncia seu caráter de resistência ao poder do professor no exercício da aula, ao mesmo tempo em que estabelece marcos para a atuação escolar indiferente. Ano passado ouvia isso quase que diariamente de uma aluna que insistia em ignorar as aulas ao preferir conversar com uma colega de turma.

Uma postura, também de caráter de resistência às aulas, ocorre da parte daqueles alunos que preferem um tipo de professor que os deixe bem à vontade, que não exija deles participações nas discussões ou que encerre mais cedo a aula. Ao tentar fomentar as discussões replicam: “Professor, tudo ficou muito claro!” Os resultados das provas seguintes demonstram que se tratava apenas de evasiva discente, exercício de poder na sala de aula em favor da indiferença estudantil.

Outras formas dessa resistência podem ainda ser percebidas: o aluno que resolve apontar o lápis quando ninguém precisa escrever, o que pega uma folha em branco e resolve fazer um desenho, o que começa a digitar freneticamente a calculadora, o que dorme, o que pede pra ir no banheiro, etc. Tudo para fugir da aula! Muitos poderão questionar se não se trata do caráter monótono das aulas, da insegurança do professor ou da incapacidade deste em chamar à atenção os alunos. Sem de todo desfazer dessa possibilidade, defendo a ideia de que se trata mesmo de um sintoma geral de um mal maior: aversão ao saber!

Começaríamos então a partir daí, caso quiséssemos resolver o problema. É preciso fomentar uma cultura de aprendizagem, de valorização do saber. Quem sabe se o exercício do poder discente não se dará em favor de objetivos mais nobres, como por exemplo, exigindo mais esforço do professor, leitura, compromisso, ensino de qualidade.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Corre, que lá vem aula! II


Aula de Filosofia. Os alunos têm em mãos um poema de Brecht (O analfabeto político). É feita uma leitura inicial e aguardo todos a completarem para uma segunda leitura, coletiva, para uma posterior ou mesmo simultânea discussão. 

Enquanto alguns dos alunos encerram a primeira leitura, encerramento denunciado pelos pares de conversas que novamente se constituem, posso perceber um dado alarmante, observado praticamente em todas as aulas, versem sobre o que for – as conversas nunca se referem ao assunto da leitura ou do tema em questão, em quaisquer das aulas. Hoje é o poema de Brecht, ontem foi uma aula sobre o processo de desenvolvimento da indústria, anteontem sobre os antecedentes históricos da emancipação do estado, mês passado sobre a Revolução Francesa, etc. Nada disso, senão a duras penas, foi discutido  com um ou no máximo dois alunos por turma sob ora um silêncio forçado e indiferente, ora uma saraivada de discussões paralelas que vão desde descrições de vizinhança à comentários sobre a novela das oito.

À primeira vista minha descrição pode parecer pessimista e inevitavelmente carregada de frustações com a turma x ou y. Aliás, quase sempre são todas as turmas e a descrição é tão real quanto o confirmará a presença de qualquer estranho na sala em qualquer dia normal de aula.

A questão é que não se trata apenas de desabafo ou de exposição zombeteira do que ocorre onde deveriam estar ocorrendo processos educativos genuínos, frustrados por condicionantes históricos que precisam ser investigados para que a situação seja corrigida.

É comum em face disso discursos saudosistas sugerirem um retorno ao tempo da palmatória e do ensino totalmente forçado quando não do próprio Estado totalitário. Mas será esta realmente a solução? Creio que não.

Mas é bom começarmos a propor alternativas a esse ensino trágico.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Corre, que lá vem aula!

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Hoje é mais uma noite daquelas que terminam tensas e raivosas. Percebe-se a cada dia que os alunos de hoje não estão pra aulas, pelo menos não para as aulas convencionais, onde o professor esforça-se ao máximo para apresentar-lhes um saber necessário à formação de uma massa inculta e alheia ao seu entorno, na maior parte das vezes.

A própria menção a “aulas convencionais” pode ser motivo para que alguns “progressistas” já vejam aí o motivo para o desinteresse dos alunos. De fato, virou lugar-comum afirmar que precisamos partir das necessidades do aluno, do seu contexto imediato, para que o ensino faça sentido, ou coisas do gênero. Confesso que isso é válido para uma grande maioria de alunos que, por outro lado, nunca vai lhe acompanhar para além desse “contexto ou necessidades imediatas”. Na medida em que a discussão sobre o saber avança para uma elaboração mais generalizada ou abrangente – e essa é uma característica do saber – o navio que é a sala de aula naufraga com o capitão e todos os tripulantes, quando não ocorre de o capitão ser abandonado sozinho no navio, como ocorre sempre que se vislumbra numa determinada discussão prévia sobre um assunto qualquer, vinculado à realidade imediata do aluno, aquela roupagem ou semelhança de aula convencional.

Essa discussão inicial sobre o assunto, vinculada à realidade imediata do aluno, poderia iniciar-se, pelo que percebo, pelos namoricos do último fim de semana, o capítulo da novela, o trabalho doméstico, questões políticas de ordem, tragédias cotidianas, e muitas outras situações – ou seja, material não faltaria! (O progressista poderá continuar questionando se essas situações não podem, sim, ser aproveitadas pelo professor). O problema seria na hora mesma de ultrapassar esse momento prévio para se dirigir a um momento posterior da discussão, aquele que envolve a conceituação, a argumentação com elementos novos em torno de questões ou situações que fogem ao imediatismo do aluno, como problemas políticos, sociais, econômicos ou culturais mais abrangentes ou ainda aqueles sem valor aparente, como muitas discussões filosóficas ou problemas matemáticos, por exemplo.

Noutras palavras: a aula convencional, com o saber convencional, não faz sentido pra maioria de nossos alunos. Esta é a nossa angústia e frustração. Considerando que uma aula que não privilegie os clássicos da cultura universal ocorra da melhor forma nas ditas aulas convencionais, só nos resta reproduzir os quiz sobre personagens ou eventos famosos, sobretudo relacionados às telenovelas, ou outras situações que interessem aos nossos alunos que não estão nem aí para o conhecimento elaborado por gerações que nos antecederam.

Lamentável!

O que fazer? Vamos tentar pensar em alguma coisa...

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Cadê a motivação?

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Todo dia de aula é dia de reflexão sobre por que nossos alunos não são motivados para os estudos. A própria ausência ou não da motivação é algo a ser questionada, na medida em que quem fala de motivação para algo fala a partir da visão deste algo, algo este que pode ser apenas uma previsão ou idealização do professor ou da escola e não do aluno. Não se trata de dizer que nossos alunos não têm projetos ou não idealizaram nada em relação aos estudos, mas que as idealizações deles não convergem com aquilo que muitas vezes estabelecemos cotidianamente e que tanto nos angustia ao vê-los distanciados de nossas idealizações.

Um exemplo. Posso idealizar um aluno leitor que compreenda uma minha referência, ainda que vaga, à doutrina das ideias de Platão, ao Selvagem de Huxley, ou aos olhos de ressaca, da Capitu de Machado de Assis, ao expor algum assunto referente às minhas aulas, enquanto esse mesmo aluno pode considerar que concluir o ensino médio não tem nada a ver com ter que ler este ou aquele romance ou dominar rudimentos de filosofia. Infelizmente este é o perfil de muitos de nossos alunos. Neste sentido, por que teriam motivação para algo que não consideram constante de suas idealizações? Seria ingênuo, então, da nossa parte cobrar essa motivação, mas não o seria fazê-los refletir sobre as idealizações deles.

Afinal, a partir de que contexto nossos alunos elaboram suas expectativas, projetos, idealizações? O contexto de que fazem parte nossos alunos é o da vida campestre ou de cidade pequena, simples, cujas idealizações são forjadas pela cultura antiintelectualista local e pela indústria cultural (todos têm acesso à TV aberta e uma grande parte à internet) e dizem respeito, na maioria das vezes, apenas ao ingresso no mundo do trabalho e do consumo, reforçada ainda por ideais religiosos que apregoam o paraíso celestial à expensas de responsabilidades terrenas e das reflexões que lhes são inerentes. Muitos de nós, professores, oriundos residentes em contextos semelhantes, também compartilhamos desses mesmos ideais e expectativas e os reforçamos na prática escolar através da execução visível de nossos papeis sociais. Às vezes conseguimos até ultrapassar esses ideais e expectativas, mas nos esquecemos de que a maioria de nossos alunos não o faz.

Daí, então, a necessidade de forjarmos novas expectativas para nossos alunos que demandem motivações correspondentes. E isso não se fará sem uma prática efetiva de revisão do que nós, escola e agentes escolares, estabelecemos cotidianamente enquanto ideais, expectativas, projetos de futuro. Uma revisão que perpasse não só a escola, mas as instituições formadoras que contribuem para o processo formativo da identidade local.

Até lá é bom nos acomodarmos à ideia de que nossas projeções não são as mesmas de nossos alunos.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

We don’t need no education

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Permitam-me mais uma referência à another brick in the wall, mas não seria justificável se a música não correspondesse de forma tão perfeita à situação por mim vivenciada no cotidiano escolar.

É verdade que a expressão utilizada como título do texto já é percebida cotidianamente no espaço escolar nas atitudes subliminares da indisciplina, da fuga às atividades, da aversão às discussões, etc. Mas há momentos em que ela parece irromper em verdadeiros brados uníssonos: We don’t need no education! É o que percebi de forma tão incisiva e registro no ocaso de mais um dia letivo.

Talvez este seja o telos do professor de escola pública no Brasil: tentar realizar um processo numa direção quando a maioria dos sujeitos alvos da prática docente insiste numa mudança de rumo. Se alguém já taxou a escola de mero aparelho ideológico de Estado, enquanto outros advogaram em favor de sua abolição, a clientela brasileira da escola pública repete em uníssono: “Não precisamos de educação! No momento até que a atitude é coerente, pois, via de regra, a educação escolar básica prestada pelo governo atualmente pretende menos educar do que acomodar as coisas ao atual estado econômico: trata-se de mero equilíbrio entre o interesse do capital e do Estado assistencialista, que em conluio concertam: “Eu te repasso os impostos incidentes sobre o meu lucro e você me garante a massa indócil de consumidores”.[1]

O problema é que nesse teatro há atores que não estão se comportando de acordo com o enredo, o que é o meu caso e de muitos outros, sejam professores, alunos, pais, técnicos, que não querem simplesmente “dançar conforme a música”.

Infelizmente os dissidentes somos como Winston Smith contra todo o sistema do Grande Irmão, embora eu não pretenda ao final curvar-me docilmente às demandas dessa configuração econômico-política totalitária, desumanizante e cruel.[2]

Enfim, que o dia de amanhã surja com novas esperanças e as palavras tenebrosas que ora ajudam a enegrecer esta noite renasçam com uma certa carga de otimismo.




[1] Neste ponto refiro-me a uma leitura que fiz de “A produção da Escola Pública Contemporânea”, de Gilberto Luiz Alves.
[2] Aqui a referência é ao Romance antiutópico de George Orwell, 1984.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Mudar para o "modo aula"

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A linguagem, enquanto dimensão do social, é palco de tensões e conflitos onde se digladiam interesses distintos, alguns dos quais perecem enquanto outros sobrevivem. Isso vale para a influência que a internet e as redes sociais mantêm sobre a vida social. Prova disso é o internetês: muitos "ortodoxos" que insistem em não reconhecer o caráter dinâmico da linguagem oral e escrita até se posicionam contra as novidades trazidas pela internet, mas no final termina valendo a tese da dinamicidade da língua.

Uma dessas novidades trazidas pela internet para a linguagem cotidiana me surpreendeu um dia desses: diante da iminência do quarto bimestre - ou até mesmo já surpreendidos pela sua chegada - vi várias postagens de alunos no facebook que diziam algo em termos de "quarto bimestre - mudar para o modo hard". De início sorri bastante com a novidade, pois é criativa e reveladora do que realmente ocorre com a maioria do alunado, inclusive o nosso aqui, sobre o desleixo nos primeiros bimestres e uma aparente preocupação maior no último. Até respondi "Espero que ainda dê tempo."

Hoje, um pouco irritado com a maioria dos alunos de uma determinada turma, maioria que "fala pelos cotovelos", pedi, ao iniciar uma discussão - na maioria das vezes sempre fica no monólogo ou exposição em vez de uma discussão - que mudassem para o "modo aula". No momento senti-me como numa situação digna de um "eureka!", dada a novidade da expressão, que pelo menos pra mim - acredito que também para os alunos que me ouviram - foi uma novidade, sim.

O estranho tanto para a expressão utilizada pelos alunos para se referir à chegada do quarto bimestre quanto a utilizada por mim é que sua eficácia empírica parece não se confirmar - os alunos que não foram bem nos três primeiros bimestres parecem tão despreocupados em relação ao final do ano letivo quanto é verdade que uma turma não muda para o "modo aula" apenas ouvindo essa expressão, infelizmente.

No final das contas pelo menos podemos nos surpreender com as possibilidades da linguagem.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Dia de índio

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A temática indígena ontem esteve bem presente na minha rotina. À tarde vi rapidamente postagens no facebook sobre o anúncio de suicídio coletivo de índios Guaranis Caiovás no Mato Grosso do Sul enquanto à noite travei um diálogo acirrado com alunos do ensino médio sobre os indígenas no Brasil, ao introduzir a temática “História dos povos indígenas do Tocantins”, constante da proposta curricular que a inclui entre os conteúdos a serem ministrados no ensino médio.

Impressionante o quanto ignoramos a questão indígena ou temos uma visão equivocada das relações que se devem estabelecer entre indígenas e não-indígenas no território brasileiro! Neste caso, a visão que muitos alunos apresentam é nada mais nada menos que aquela que foi ensinada durante muito tempo pela escola ou que é compartilhada por pessoas que têm uma visão desenvolvimentista do país, segundo a qual os índios se apresentam apenas como empecilho ao desenvolvimento. E na condição de professor, uma vez ciente da força desse pensamento anti-indígena presente inclusive na nossa comunidade, acredito que é minha responsabilidade situar os alunos numa análise dos condicionantes históricos que geraram esse tipo de pensamento, em vez de simplesmente taxá-los de desumanos, capitalistas ou coisa do tipo. Percebe-se a partir disso o quanto a escola historicamente tem ignorado temáticas importantíssimas para a garantia de direitos a todos os brasileiros e, portanto, acirrado o pensamento e atitude de não indígenas contra cerca de 230 etnias indígenas que habitam o país, um número significativo, a despeito de cinco séculos de extermínio em que mais de cinco milhões de índios se reduziram a menos de 5% da quantidade original.

Reavaliar as ações docentes pode ser uma alternativa para que futuramente não estejamos assistindo a grupos indígenas anunciarem o próprio suicídio diante de uma indiferença governamental que só não é maior do que a indiferença dos brasileiros em geral. O mesmo se pode dizer em relação a muitos outros grupos historicamente massacrados, como aqueles que não dispõem de terra para trabalhar, por exemplo, em razão dos processos tradicionais de distribuição de terra no Brasil (capitanias, sesmarias, grilagem). Para muita gente, sem-terra e indígenas representam apenas atraso para o país, uma vez que a ideia de humanização e convívio pacífico dos povos foi substituída pela de produção e consumo inconsequentes.

Este é o Brasil – e por que não dizer o mundo! – das desigualdades. E estes somos nós, seres “humanos”.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Just another brick in the wall

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Hoje é dia pra meditar na essência da nossa profissão, sobre o sentido do nosso trabalho, pois isso determina a qualidade do que fazemos em sala de aula. Sócrates queria ensinar valores fundamentais a uma sociedade cada vez mais individualista, afetada pelo desenvolvimento econômico propiciado pelo expansionismo ateniense, daí sua insistência em questionar sobre o que as pessoas realmente entendiam sobre os valores que anunciavam vivenciar hipocritamente.

Os sofistas, por outro lado, queriam aproveitar o momento de ascensão de uma nova classe, a burguesia, e auxiliá-los no conflito contra as tradicionais aristocracias. O espaço propiciado pelos espaços democráticos poderia ser conquistado por quem tivesse ótimas habilidades retóricas – eis aí, então, a missão dos sofistas: preparar jovens das classes ascendentes para o usufruto do poder político. Os sofistas faziam isso por dinheiro, o que desagradava muito a Sócrates, que via no ensino a oportunidade de melhorar as pessoas, não torná-las meros oportunistas diante das novas situações que se formavam.

E qual seria o sentido da nossa atividade hoje? De algum modo temos um pouco de Sócrates e dos sofistas, na medida em que pretendemos formar um indivíduo ético para atuar num contexto de individualismo, pragmatismo, relativismo moral e hipocrisia, enquanto a influência sofista nos motiva a preparar pessoas para terem sucesso nesse contexto. As coisas parecem nos indicar que não temos tido sucesso numa coisa ou noutra, mas de algum modo nossos alunos, ou por influência nossa ou do contexto geral mais amplo, estão se adequando mais às exigências do modelo capitalista em vigor do que as enfrentando.

De algum modo poderíamos dizer que, na condição de professores, fazemos algo que compreendemos apenas vagamente. Acredito que é muito raro alguém se questionar por que lecionamos para alunos em turmas, revezando-se nas mesmas salas de aula com colegas de profissão, preparando alunos para o trabalho num contexto de acentuada automação.

Para Gilberto Luiz Alves, compreender a função da escola em qualquer tempo tem a ver com a compreensão de seus condicionantes materiais, isto é, “o entendimento histórico de seu processo de produção.”[i] Referindo-se de forma bem simplista ao pensamento deste autor, vale dizer que a função da escola em determinado momento histórico deve ser compreendida sem se ignorar as demandas maiores do capital.

No momento não disponho de coragem para tentar resenhar suas principais teses sobre o modo como a escola se produziu historicamente e o modo como a escola atende hoje às especificidades do atual momento econômico. Apenas afirmo que ignorar uma análise desse tipo é como atirar no vento e ainda se achar portador de uma certa nobreza decorrente de uma função que nem sequer sabemos bem a que interesses atende.

De qualquer modo, a nobreza da profissão docente precisa ser construída a partir de uma compreensão do que fazemos e do que devemos fazer na condição mesma de professores.


[i] ALVES, Gilberto Luiz. A Produção da Escola Pública Contemporânea. 4 ed. São Paulo: Autores Associados, 2006, p. 1).

sábado, 22 de setembro de 2012

Ler é preciso

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A semana de prova me faz refletir sobre o porquê de nossos alunos serem tão pouco dados aos estudos. Na verdade, se fossem mais um pouco dedicados, se fossem leitores razoáveis, ou mesmo esporádicos, teríamos resultados distintos daqueles que nos desapontam muitas vezes.

Como me proponho sempre refletir sobre os condicionantes históricos responsáveis pelos comportamentos estudantis locais, em vez de simplesmente rotular ingenuamente os alunos de displicentes ou desinteressados, acabo por refletir, algumas vezes, sobre a minha infância e meu perfil de estudante como uma forma de tentar compreender o aluno de hoje, embora pertençamos a momentos distintos no espaço e no tempo, considerando que o espaço se transforma com o tempo.

Lembro-me de que tinha fama de inteligente. Com o tempo percebi que há uma diferença entre o rotulado de inteligente e o informado ou intelectual. O inteligente capta bem os assuntos da aula, sobretudo quando se priorizam as habilidades mnemônicas, como era no meu tempo. Memorizava facilmente páginas e páginas de exercícios, fórmulas matemáticas, tabuada, regras de português. Era, definitivamente, o aluno inteligente. Lembro-me de ter lido um livro em toda a minha vida de estudante da educação básica, uma biografia de Hitler, embora tivesse contato diário com os livros didáticos que recebia das escolas. Depois do ensino médio li inteiramente a bíblia e sempre mantive contato com os textos bíblicos, mas definitivamente não era informado.

Com o tempo percebi que ser inteligente do modo como me consideravam não era o suficiente. Percebi isso sobretudo quando comecei a lecionar, há uns onze anos, e era solicitado sobre assuntos os mais variados. Ao ingressar no curso normal superior, no mesmo período, senti-me atraído por algumas leituras, sobretudo filosóficas. A partir daí dei início a uma atividade de leitura que mantenho até hoje, embora nesse período todo talvez não tenha percorrido integralmente mais de uma centena de livros. 

O que quero dizer com essa história toda é que se quando eu era criança não tinha estímulos no meu entorno para iniciar uma prática efetiva de leitura é muito provável que os alunos de hoje estejam na mesma situação, embora rodeados de livros, o que não era o meu caso. A biblioteca escolar que frequentamos cotidianamente é imensa, variada e atraente, mas não temos um número significativo de leitores, a começar, acredito, por nós, professores. Um sem-número de outros atrativos atuais, sobretudo tecnológicos, ajudam a afastar cada vez mais nossos alunos da biblioteca.

Eis aí, pois, um grande desafio para as escolas públicas: formar leitores! Gabo-me de haver estimulado a prática de leitura na vida de alguns alunos e de minhas filhas, inclusive, e acredito que o sucesso que eles têm na escola é resultante da atividade de leitura.

Que possamos levar essa prática adiante.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Provas que fazem pensar

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Os alunos que geralmente recebemos no ensino médio são oriundos de processos de aprendizagens que inibiram o processo de compreensão dos estudantes, em vez de fazê-lo emergir. Nós mesmos, enquanto professores, tivemos um processo de formação semelhante. Lembro-me de na quarta série receber exercícios já respondidos para memorizar as respostas e reproduzi-las em provas que geralmente continham perguntas do tipo “o que é...?”. É possível perceber colegas que ainda enfrentam problemas decorrentes desse tipo de formação deficiente atualmente, nos cursos de formação de professores.

Esse é o tipo de prática que busco enfrentar no cotidiano escolar e as provas que aplico são, na maioria das vezes, exemplos práticos de que realmente tento fazer isso.

Neste bimestre trabalhei ética e moral numa turma do ensino médio. Para a prova avisei-lhes que não aguardassem perguntas que lhes cobrassem apenas uma reprodução fiel a perguntas do tipo “o que é ética?” “...moral?”, “...liberdade?” ou coisas do tipo. Pelo contrário, falei-lhes que lhes apresentaria uma determinada situação moral a ser avaliada por eles. Falei-lhes ainda que moral não se ensina apenas por conceitos e que avaliamos os saberes atitudinais pela prática dos seres humanos.

Enfim, apresentei-lhes um texto em que uma determinada problemática moral era apresentada como algo que ainda que não é aceito pela sociedade atualmente, mas que o seria no futuro, pois tudo é uma questão de tempo, no que se refere à aceitação de determinadas propostas de conduta que exigem um acirrado conflito moral.

Perguntei-lhes então, na prova, se o tempo é o único critério geral ao qual se submetem as mais variadas questões morais, situações novas ou propostas de condutas, para serem aceitas por uma determinada sociedade (obviamente que a pergunta foi feita com outras palavras, de forma a torna-la mais inteligível).

Foi interessante perceber que muitos alunos argumentaram em favor do sim, do não ou do mais ou menos, inclusive citando propostas de conduta que, mesmo decorrido muito tempo de discussão, ainda não foram aceitas ou não serão de modo algum, segundo eles.

Numa segunda pergunta requeri deles que citassem propostas de conduta que percebem no seio da sociedade e o modo como são discutidas atualmente. União homoafetiva, drogas (uso ou legalização), voto consciente, dentre outras propostas, foram apresentadas pelos alunos, que também apontaram o modo como a sociedade as discute.

Uma última pergunta os indagava sobre como viam essas propostas de condutas e foi interessante compartilhar a opinião deles sobre muitos daqueles temos polêmicos.

Mas nem tudo são flores... Obviamente que tive que suar bastante para que dialogassem com esse tipo de prova, uma vez que ainda estão habituados a outros tipos de atividades mais simples, inclusive vinculadas à minha própria prática docente. Embora não tenha havido resistência foi bastante perceptível o nível de dificuldade dos alunos para ler a prova. Realmente esse tipo de prova é quase uma novidade. Eu já havia explorado outras possibilidades de provas, mas essa realmente os surpreendeu. A despeito das dificuldades – e do cansaço! – que envolvem vou explorá-las cada vez mais.

O leitor – se é que os tenho – estará se questionando, talvez, como lido junto aos alunos com as propostas de condutas morais apresentadas por eles e até por mim. Sou cristão e considero ter um quadro de referência mais ou menos elaborado para me posicionar em relação à maioria das questões cotidianas, mas não permito que elas simplesmente se imponham sobre meus alunos. Embora eu as deixe evidente em muitas situações, inclusive quando sou cobrado, insisto com eles para que atinjam um estágio de desenvolvimento moral que Jean Piaget denominou de autonomia. Alunos autônomos moralmente estarão mais bem preparados para lidar com situações morais do que aqueles que se submetem a certos valores ou regras por medo de represália (hetoronomia) ou simplesmente para parecerem agradáveis diante de alguns grupos (socionomia).

Enfim, se se fizerem autônomos moralmente, embora isso exija talvez toda uma vida, para mim já é uma conquista significativa.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Peripécias de alunos em semana de provas



A esperteza é uma das muitas qualificações (ou vícios?) que se pode atribuir aos alunos, que utilizam, dentro dessa característica, artifícios como a cola, a dor de barriga, dentre outros, para se safar da cada vez mais chata e intolerável sala de aula. Obviamente que isso não é uma característica de todos os alunos, mas que lhe será tão inerente quanto mais aversão ele tenha pelas aulas.

Um evento numa dessas semanas de provas me mostrou até onde vai essa esperteza discente. Costumávamos aplicar provas de disciplinas iguais em horários iguais, para evitar que uma prova já aplicada repercutisse seus resultados numa turma que faria a mesma prova, num horário posterior. Conquanto houvéssemos mudado a estratégia de aplicação de provas, realizando provas de uma disciplina em horários distintos, ocorreu a alguns alunos que as provas aplicadas nos primeiros horários seriam realmente as mesmas a serem aplicadas, ipsis literis, num horário ou dia posterior, para as turmas de mesma série.

Neste caso específico a esperteza manifestou-se ingênua ao crer que um professor seria realmente maluco ao reproduzir as mesmas provas nas mesmas séries em horários distintos. Resultado: vários alunos que não tiveram sequer o trabalho de ler as questões da prova zeraram nos resultados, ao responderem-na simplesmente com base no gabarito de uma prova recém-aplicada, numa outra turma. Da minha parte faltou avisá-los da diferença entre as provas, mas acredito que da parte deles faltou aquilo que é essencial ao se fazer provas: lê-las! Um aluno ainda mais esperto que os outros notou algo de estranho na prova, que parecia não concordar com o gabarito adquirido, mas percebeu isso porque lera a prova.

Por mais cômico que isso pareça – prefiro considerar como trágico – é suficiente para refletir até onde alunos avessos ao saber podem ir com suas práticas de esperteza para se livrarem do confronto com o saber. Se houvesse uma política educacional que simplesmente lhes certificassem sem sua presença nas escolas, para uma maioria deles, seria a escola ideal. E é surpreendente que muitos pais de alunos compartilhem dessa ideia.

Eu, particularmente, prefiro debruçar-me numa investigação sobre o porquê de tanta aversão ao saber, manifestada através de atitudes as mais estapafúrdias de muitos alunos, e refletir sobre como interferir neste contexto de misosofia que tanto atribui à escola o papel de vilã, algoz de quem só quer ser feliz à expensas da escola.

De que modo a família, a mídia, a própria escola (muitos de nós, professores, temos aversão ao saber), as instituições em geral contribuem para corroborar o papel de vilã da escola – eis uma tarefa à qual me proponho vez por outra investigar, mas parece tão complexa quanto o são o número de seus condicionantes.

Mas é isso aí... Fazer o quê? É partir pra cima.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O cotidiano escolar, a violência e o professor


O contato com a sala de aula nos permite utilizar o próprio saber ensinado e aprendido no dia-a-dia para compreender o cotidiano e até mesmo refazer os saberes que acumulamos e ensinamos.

Uma situação de violência, por exemplo, como uma presenciada e mediada por mim recentemente – algo raro, é a primeira vez que me defronto com uma situação daquelas em sala de aula – , fez-me tecer considerações sobre a natureza da violência, sua origem ou causa, algo que atualmente discuto com as turmas da 1ª série do ensino médio.

A espontaneidade ou naturalidade com que algumas pessoas (jovens, adolescentes, inclusive) se dispõem para resolver conflitos pela violência nos faz tender a aceitar que a maldade é inerente ao ser humano. E isto é o que afirmam as tendências instintivistas, ou seja, a maldade e a violência fariam parte da própria fisiologia dos seres humanos. Assim como o instinto da sede, da fome ou do sexo, a violência também seria inerente aos seres humanos, não havendo alternativa para suprimi-lo senão suprimindo, disciplinando ou sufocando algo que faz parte da própria humanidade das pessoas. Uma visão cristã não diverge muito do instintivismo, na medida em que também considera a maldade como algo que acompanha o gênero humano desde a queda de Adão, ainda que a origem mesma da maldade esteja num evento anterior aos seres humanos, isto é, na desobediência de Lúcifer na corte celestial, desobediência esta repetida pelo primeiro homem no Jardim do Éden. Para o Cristianismo, porém, a maldade e a violência poder ser atenuados pela conversão à fé cristã e totalmente aniquilados num futuro previsto – os novos céus e nova terra.

Uma tendência socioambientalista, por outro lado, apresenta a questão da maldade como oriunda do próprio contexto social em que os seres humanos  se desenvolvem enquanto pessoas, dependendo o comportamento humano do contexto social em que se vive, se é pacífico ou violento. Esta tendência é complicada, pois sugere que o comportamento humano pode até mesmo ser previsto a partir de uma compreensão dos diversos espaços de socialização humanos, o que termina por motivar generalizações sobre as pessoas em geral.

Diante deste quadro explicativo complexo e variado cabe ao professor também informar-se a respeito destas tendências e elaborar um referencial explicativo para compreender e fundamentar suas ações enquanto educador. Talvez a solução não esteja em adotar um destes referenciais isoladamente, em prejuízo absoluto dos demais, mas analisar de que modo cada um deles se presta a explicar o contexto da violência e estar mais bem preparado para lidar com situações em que várias formas de violência se manifestam.

A vilania dos alunos


Como lidar com a apatia e a indisciplina do aluno de hoje sem o considerar como mais um vilão da escola?

Aqui, especificamente, não há casos registrados de agressão discente a professores, uso de drogas ou bebidas alcoólicas no interior da escola e outras atitudes vez por outra vistas nos jornais a ponto de assustar qualquer pretendente à profissão docente. Mas nem por isso estamos aqui isentos de taxá-lo de diversas formas, considerando-o desobediente, indisciplinado, insubmisso, inconsequente etc.

Embora muitas vezes faça coro a essas taxações, tendo a tentar compreender o comportamento do aluno como resultado de determinantes diversos, percebendo-o como alguém imerso num contexto de relações onde interagem elementos culturais, econômicos, políticos, sociais, religiosos, que terminam por conduzir o comportamento das crianças, jovens e adultos por caminhos pré-definidos, embora não absolutamente.

Não se trata de subterfúgio para defender aluno, acusação que muito me caía, principalmente quando em funções administrativas, mas de não ignorar o caráter histórico da existência humana e as manifestações que assume inclusive nos espaços de formação coletiva.

Agora convenhamos, o difícil é realizar essa análise histórica dos elementos de diversas ordens que influenciam o comportamento da comunidade escolar e, a partir daí, agir conscientemente no sentido de tornar a problemática escola mais compreensível. Não obstante, considero que reconhecer esse aspecto do nosso trabalho já é um passo significativo.

Professor, sim, com satisfação!



Acho que sou um dos poucos professores de escola pública básica que não se arrependem todos os dias de não ter conseguido outro tipo de trabalho. O que não quer dizer que estou sorrindo o tempo todo, como se ser professor fosse o melhor trabalho do mundo, mas estar feliz com a profissão que se exerce é fundamental e acho que, no meu caso, não poderia dizer isso se estivesse em outro tipo de trabalho.

Quando vejo colega estressado, lamentando-se por estar em tão “ultrajante” ofício, tento lhe convencer de que enfrentar a sala de aula conformado, sem arrependimentos ou remorsos por não ter conseguido algo “melhor” pode ser uma interessante maneira de se conseguir permanecer como professor. Mas no meu caso isso não é terapia comprovada, pois me sinto bem no ofício de professor; apenas recomendo a atitude de complacência ou condescendência com a profissão como algo que pode, eventualmente, dar certo.

Mas como disse, nem tudo são flores, apesar do contentamento, e o que pretendo expor neste blog são minhas experiências de professor acumuladas cotidianamente, sejam boas ou ruins, embora sempre realizadas com uma consciência de que de uma boa educação das massas brasileiras depende o bom futuro do país.

Por estar vinculado a uma instituição escolar específica terei o cuidado de fazer emergir minhas experiências docentes de maneira que não as apresente como relatos de experiências da escola “X”, mas como vivências de alguém que está inserido num processo de escolarização que não se distingue de muitos outros espalhados por esse Brasil, seja pelas condições sociais, econômicas e culturais (aqui é onde haverá maior divergência) da clientela, seja pelas problemáticas específicas relacionadas à prática educativa dos professores.

Terei também o cuidado de não apresentar as situações ou experiências por que passo como uma forma de escárnio ou simples ironia dessas experiências ou de sujeitos específicos no interior das escolas em geral, mas como momentos de reflexão sobre as dificuldades ou avanços com que lido diariamente.

Aguarde as publicações.