sábado, 13 de abril de 2013

Pensando sobre a prática


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Esta semana foi das mais difíceis. Os alunos apresentaram suas melhores performances misosóficas e precisei fugir do tema das aulas algumas vezes, sob reclamações de que estava mudando de disciplina, para o que precisei alegar a prática da interdisciplinaridade.

Falei-lhes que a sala de aula hoje é totalmente diferente do que foi uma sala de aula há vinte anos. Não se trata de nostalgia em relação a uma época em que as relações em sala de aula espelhavam as relações sociais mais amplas, mas até mesmo para dizer-lhes que cada época tem suas próprias características, que precisam ser compreendidas e não aceitas simplesmente.

Ilustrei-lhes melhor a gravidade da situação ao discutir a questão da não prioridade da aprendizagem escolar em sala de aula a partir das conversas que ocorrem em tom apaixonado, espirituoso e intermitente entre eles. As conversas chegam a tal ponto que chega a parecer inconveniente interrompê-las com temas ditos escolares. Tem sido assim nos últimos anos. Fazê-los voltar à atenção aos conteúdos escolares não é fácil e o trabalho se torna muito duro e o clima entre professor e alunos, tenso. A ideia de discutir os temas a partir das conversas dos alunos não faz sentido, pois no contexto em que se desenvolvem os espirituosos diálogos estudantis não há espaço para adultos estranhos e chatos como os professores.

Ainda utilizando a referência aos anos 80 e 90 pergunto-lhes o que substituiu a autoridade dos pais nos dias atuais. Alguns respondem quase que num tom categórico: “a nossa autonomia, a nossa liberdade!”.  Isso me soou como um grande desestímulo a continuar na missão educativa. É como se tudo o que fizemos até aqui não tivesse resultado em nada, pois os alunos de fato não percebem que os oprimidos, os de baixo, na maioria das vezes não se tornam livres, apenas trocam de senhores.

Taí uma questão que na maioria das vezes é incompreendida inclusive por quem está na condição de educador. Já virou lugar-comum nos referirmos ao caos escolar como responsabilidade dos pais, por haverem se eximido de sua responsabilidade histórica de formar os filhos deixando pra escola apenas o ensino do saber sistematizado. Ignoram também o fato de que os pais não se eximiram de ensinar aos filhos princípios morais e educativos básicos, mas que pais e filhos hoje estão sob a mesma tutela de algo maior, aquilo que chamamos de sistema, que para mim é algo regido pelo capital, que através da indústria cultural e da propaganda manipula todo mundo a seu bel prazer. Neste sentido, não haveria uma irresponsabilidade consciente dos pais em relação à educação básica dos filhos, mas sim um esgotamento das funções familiares face ao poder irresistível dos meios de comunicação em massa, instrumentos que servem ao lucro.[1] Aqui se encontra o cerne de uma discussão que tenho feito com alguns colegas sobre a ideia de liberdade e outra, consequente, a responsabilidade: “a liberdade do consumidor significa uma orientação da vida para as mercadorias aprovadas pelo mercado, assim impedindo uma liberdade crucial: a de se libertar do mercado, liberdade que significa tudo menos a escolha entre produtos comerciais padronizados.”[2]

Se, pois, não existe liberdade sob a atual configuração das relações sociais, imersas num conjunto maior de práticas econômicas que as condicionam ou submetem ao livre curso do capital, como responsabilizar agentes desprovidos de informações e saberes que os habilite à transformação do status quo? Na melhor das hipóteses os mais esclarecidos podem dar impulso a um ensino formador que parta dessas circunstâncias de opressão específicas.

Não gostaria, entretanto, de cair aqui no que pode ser chamado de “a passividade do consumidor, eleitor, leitor ou telespectador comum”[3] e assumir a ideia de que os oprimidos não reagem de forma nenhuma às formas de manipulação e opressão atuantes sobre as pessoas em geral. Mas como perceber qualquer coisa que fuja da passividade, da submissão na vida de pais e alunos em geral?

Particularmente acho que isso pode ser percebido, em se tratando da sala de aula e mesmo em casa, nas estratégias de negociação e equilíbrio de poderes que parecem caracterizar esses espaços cotidianamente. Algo tipo “vou pra escola mas você me deixa em paz”, pode ser o que negociam com os pais. Na sala de aula podem fazer as atividades e estarem presentes mas sem qualquer tipo de envolvimento nos temas desenvolvidos. É como se fosse o mínimo que pudessem fazer. Mas e a resistência ao sistema mais abrangente, como ocorre? Isso parece bem sutil, mas vou arriscar alguns palpites. Os alunos parecem estar conscientes de que precisam passar de ano sem precisarem aderir, ainda que muitas vezes desconheçam o que é uma vida efetiva de estudos, às exigências expressas por alguns professores. O fato de sempre fazerem o mínimo e reagirem até agressivamente diante de uma situação de reprovação parece confirmar o fato. E nessa situação específica de reprovação os pais funcionam como uma força favorável decisiva. O sistema escolar corrobora esse estado de coisas ao não reagir diante de todo esse conflito de forma que convença o aluno a estudar de forma apaixonada.

É assim que vejo as coisas, embora pareça para alguns simples divagações. E a saída? Ou se adapta a esse estado de coisas, inclusive repetindo os chavões habituais sobre a irresponsabilidade dos pais ou do sistema, ou se frustra todo dia numa tentativa frenética de levar os alunos a uma vida efetiva de estudos. O que não se pode é tentar fazer a última opção sem pretender uma compreensão mais abrangente sobre o atual caos escolar e as múltiplas relações de várias ordens, inclusive a econômica, que o constituem.


[1] Meu amigo Juno falou algo nesse sentido ao responder um questionário oral para alunos da 2ª série do ensino médio.
[2] BAUMAN, Zygmunt apud BITTENCOURT. in: http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/66/artigo244877-1.asp Acesso em 12/04/13.
[3] BURKE, Peter. O historiador como colunista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 77.

5 comentários :

  1. Os pais, a família, tem responsabilidade sim, e se não sabem disse os mais “ esclarecidos” –professores- precisam informar e numa linguagem clara e as vezes ate com um certo terrorismo na fala. As crianças, e os adolescentes e muitos, muitos adultos, não percebem o truque do “sistema” ou se percebem consideram inútil combate-lo. Os alunos, os pais, a sociedade, sabe que o menino vai ser empurrado pra frente tendo ele as habilidades mínimas ou não para isso. os professores sabem que não conseguem ensinar por falta do retorno dos alunos, esses e a família não dão o retorno esperado pelo professor por que sabem o q vai resultar no final: ele vai passar. Se o aluno passa, se tem nota, a pai acha que ta bom. E até a escola acha que ta bom e so pode fazer isso mesmo. Acontece um fingimento total na educação pública do Brasil. A solução pra tudo isso? Não sei. Mas o fato e que alunos que terminam a educação básica sem as habilidades mínimas necessárias: ler, compreender, interpretar, pensar com uma certa lógica, estão fadados á exclusão, ao subemprego. Os alunos tem “medo” de reprovar. Talvez se uma escola tivesse a coragem de mostrar a realidade: reprovar os alunos que não atingem a habilidades mínimas, o que seria cerda 80% doas alunos, a coisa talvez mudaria daqui a 5 ou 10 anos.

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  2. "Talvez se uma escola tivesse a coragem de mostrar a realidade: reprovar os alunos que não atingem a habilidades mínimas, o que seria cerda 80% doas alunos, a coisa talvez mudaria daqui a 5 ou 10 anos."

    Os pais e alunos a depredariam e procurariam outra escola.

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    1. Concorodo plenamente. Enquanto alunos despreparados estiverem sendo "siclados" nas escolas por imposição dos governos "neocoronelistas" existentes em várias partes do país, viveremos nessa mesmice - professores lutados por melhores salários e condições de trabalho; alunos aprovados sem saber nada; e governos pseudo democráticos no poder... Um abraço...

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  3. "Os pais, a família, tem responsabilidade sim, e se não sabem disse os mais “ esclarecidos” –professores- precisam informar e numa linguagem clara..."

    O problema,Vandervaldo, é se de fato somos esclarecidos, isto é, nós, professores, conhecemos a gravidade da questão para podermos 'esclarecer' outros? Se não conhecemos a coisa não avança, pois não passamos da famigerada "incriminação" dos pais. Tenta listar pais esclarecidos no sentido em que estamos discutindo aqui, até mesmo professores. Cegos não podem guiar outros cegos, mas todos os cegos somos guiados docilmente pelo sistema maior que nos manipula (pelo menos acho que alguns de nós percebe essa manipulação).

    É aí onde percebemos o seguinte: ao capital e ao governo não interessam professores esclarecidos, cargos docentes valorizados que estimulem uma concorrência de intelectos para alcançá-los, pois isso poderia resultar em esclarecimento das massas.

    Diante de tudo isso investir contra a família é fugir dos fatos.

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    1. Mas deixar de responsabilizar a família não vai ajudar tambem, se todo mundo que de alguma forma cerca as crianças e adolescente não reagiram de forma energica a esse fingimento todo ai e que ta perdido mesmo. se reprovar todo mundo e eles mudarem de escola e alguns mudarem t atitude o que duvido, valeria, o problema é que na escola que chegarem vão empurrar pra frente ai eles vão pensar e acreditar que a culpa era da escola corajosa. Com a falta de coragem que impera nas escolas e que acaba fazendo o que os dominantes querem, fingir que ensina, a exclusão vai ficar evidente so depois da formatura do medio, quando a grande maioria sairem sem saber ler e escrever. Na minha concepeção um monte de analfabetos que passaram 12 anos caminhando pra escola, perderam mais que outro bando que não precisou ir nela.

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