terça-feira, 18 de setembro de 2012

Provas que fazem pensar

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Os alunos que geralmente recebemos no ensino médio são oriundos de processos de aprendizagens que inibiram o processo de compreensão dos estudantes, em vez de fazê-lo emergir. Nós mesmos, enquanto professores, tivemos um processo de formação semelhante. Lembro-me de na quarta série receber exercícios já respondidos para memorizar as respostas e reproduzi-las em provas que geralmente continham perguntas do tipo “o que é...?”. É possível perceber colegas que ainda enfrentam problemas decorrentes desse tipo de formação deficiente atualmente, nos cursos de formação de professores.

Esse é o tipo de prática que busco enfrentar no cotidiano escolar e as provas que aplico são, na maioria das vezes, exemplos práticos de que realmente tento fazer isso.

Neste bimestre trabalhei ética e moral numa turma do ensino médio. Para a prova avisei-lhes que não aguardassem perguntas que lhes cobrassem apenas uma reprodução fiel a perguntas do tipo “o que é ética?” “...moral?”, “...liberdade?” ou coisas do tipo. Pelo contrário, falei-lhes que lhes apresentaria uma determinada situação moral a ser avaliada por eles. Falei-lhes ainda que moral não se ensina apenas por conceitos e que avaliamos os saberes atitudinais pela prática dos seres humanos.

Enfim, apresentei-lhes um texto em que uma determinada problemática moral era apresentada como algo que ainda que não é aceito pela sociedade atualmente, mas que o seria no futuro, pois tudo é uma questão de tempo, no que se refere à aceitação de determinadas propostas de conduta que exigem um acirrado conflito moral.

Perguntei-lhes então, na prova, se o tempo é o único critério geral ao qual se submetem as mais variadas questões morais, situações novas ou propostas de condutas, para serem aceitas por uma determinada sociedade (obviamente que a pergunta foi feita com outras palavras, de forma a torna-la mais inteligível).

Foi interessante perceber que muitos alunos argumentaram em favor do sim, do não ou do mais ou menos, inclusive citando propostas de conduta que, mesmo decorrido muito tempo de discussão, ainda não foram aceitas ou não serão de modo algum, segundo eles.

Numa segunda pergunta requeri deles que citassem propostas de conduta que percebem no seio da sociedade e o modo como são discutidas atualmente. União homoafetiva, drogas (uso ou legalização), voto consciente, dentre outras propostas, foram apresentadas pelos alunos, que também apontaram o modo como a sociedade as discute.

Uma última pergunta os indagava sobre como viam essas propostas de condutas e foi interessante compartilhar a opinião deles sobre muitos daqueles temos polêmicos.

Mas nem tudo são flores... Obviamente que tive que suar bastante para que dialogassem com esse tipo de prova, uma vez que ainda estão habituados a outros tipos de atividades mais simples, inclusive vinculadas à minha própria prática docente. Embora não tenha havido resistência foi bastante perceptível o nível de dificuldade dos alunos para ler a prova. Realmente esse tipo de prova é quase uma novidade. Eu já havia explorado outras possibilidades de provas, mas essa realmente os surpreendeu. A despeito das dificuldades – e do cansaço! – que envolvem vou explorá-las cada vez mais.

O leitor – se é que os tenho – estará se questionando, talvez, como lido junto aos alunos com as propostas de condutas morais apresentadas por eles e até por mim. Sou cristão e considero ter um quadro de referência mais ou menos elaborado para me posicionar em relação à maioria das questões cotidianas, mas não permito que elas simplesmente se imponham sobre meus alunos. Embora eu as deixe evidente em muitas situações, inclusive quando sou cobrado, insisto com eles para que atinjam um estágio de desenvolvimento moral que Jean Piaget denominou de autonomia. Alunos autônomos moralmente estarão mais bem preparados para lidar com situações morais do que aqueles que se submetem a certos valores ou regras por medo de represália (hetoronomia) ou simplesmente para parecerem agradáveis diante de alguns grupos (socionomia).

Enfim, se se fizerem autônomos moralmente, embora isso exija talvez toda uma vida, para mim já é uma conquista significativa.

3 comentários :

  1. Muito bom Sulo! esse texto, sobre tudo, pelo testemunho sincero do início da tua experiência com os livros e as os constrangimentos – “as saias justas” – a que era submetido quando inquirido pelos alunos sobre assuntos diversos.

    Imagino como deve ser frustrante para um professor comprometido de fato, com a formação dos seus alunos, deparar com uma classe quase analfabeta, e, após todo um período letivo não vê praticamente nenhum progresso com relação ao domínio da palavra escrita, sendo que, o sucesso deles, durante o período escolar (e sobre tudo após), depende disso.

    No nosso tempo, e em tempos anteriores ao nosso, livros eram raros. Bibliotecas só existiam em cidades maiores, por tanto quase inacessíveis para nós, o que justifica em parte, o fato de termos lido pouco. Hoje, como você disse, as bibliotecas estão por ai, abarrotadas de títulos e assuntos interessantíssimos, e, sobre tudo, importantíssimos! Nem por isso vemos crescer o interesse por leitura.

    Não é o foco do assunto, mas creio que cabe aqui um “toque de economia” lembrando uma lei importante na regulação do mercado - lei da oferta e da procura. Segundo essa lei, quanto mais raro for, determinado produto, tanto mais caro ele será. A palavra caro se não refere aqui, ao custo propriamente, mas ao valor, à importância.

    Concordo contigo quando diz: “Um sem-número de outros atrativos atuais, sobretudo tecnológicos, ajudam a afastar cada vez mais nossos alunos da biblioteca”. Seria isso uma indicação de que os livros já se tornaram obsoletos, e que já não se prestam como suporte de apoio na educação das nossas crianças e jovens? Estariam eles (os jovens) indicando que está na hora de lançar mão desses outros recursos?

    Sei que em Regiões mais “desenvolvidas” isso já é fato, mas continuo tendo cá meus receios. Aparatos eletrônicos podem ser bons para divulgar, transmitir informações, mas, na guarda do conhecimento, o velho e bom (e fiel) livro continuará útil por muito tempo! Alem disso, é muitíssimo mais fácil acessar!

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  2. Pois é, Juno,

    Acho que falta uma cultura de leitura, de apreciação da cultura acumulada pela humanidade, sendo que o livro continua sendo um importantíssimo veículo para isso.

    A leitura poderia até ocorrer a partir de outros veículos, como um tablet, por exemplo, mas duvido que neste contexto de utilização da tecnologia textos possam substituir redes sociais ou sites comerciais.

    Acredito que você leu o texto "Ler é preciso" e comentou num texto diferente. Mas não tem importância. Fique à vontade.

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    1. Foi isso mesmo Sulo. Agora que me dei conta! Se der pra remediar, faça-o, por favor!

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