sábado, 16 de março de 2013

Espaço interdisciplinar



Assumi algumas aulas de inglês este ano. Não lecionava inglês desde 2004, acho. Muita tensão e alguns vacilos – é impossível evitar alguns, diante dos quais alguns alunos reagem impassivelmente e mais pelo trabalho de corrigir uma palavra no caderno que pela gravidade do erro. O fato de estar cursando o quinto período do curso de Letras (português e inglês) me encorajou. Acredito que vamos ter sucesso, a despeito do que ainda continua sendo uma sala de aula: apatia, muita conversa fiada e irreflexão. Fernando Pessoa disse que o poeta é um fingidor; muitos alunos também, embora não tão discretos quanto o poeta.

As aulas de inglês não me impedem de filosofar, de refletir sobre o cotidiano escolar e o que fazemos na sala de aula. Hoje, ao propor um exercício depois de uma revisão sobre personal pronouns um aluno exaltou-se diante do fato de ter que escrever. Falei-lhe que esse tipo de coisa é naturalmente aquilo que um professor pede aos seus alunos. Isso me ensejou uma breve fala baseada num artigo que eu havia lido no intervalo entre o fim do turno vespertino e início do noturno. O artigo tratava da comercialização do ensino, a propósito do que vem ocorrendo com o saber no contexto do capitalismo, caso em que o conhecimento perde o seu valor de instrumento de atualização das potencialidades humanas para se transformar em item de consumo em espaços em que “quem tem dinheiro leva”... o diploma, óbvio! Isso é o que tem caracterizado sobretudo as instituições privadas de ensino superior, as quais por privilegiarem o lucro não estabelecem padrões mínimos de intelectualidade aos “clientes”. O gosto pelo saber, sua busca enquanto algo inerentemente próprio da formação humana, é preterido num contexto de coisificação das pessoas ante o poder irresistível do capital. A minha intenção com essa fala foi tentar explicar ao referido aluno que ele também, como muitos outros, não passava de vítima desse processo reificante.

A minha atitude docente interdisciplinar terminou por suscitar uma reivindicação de retorno à aula de inglês por parte de um outro aluno, que exclamou: “É aula de sociologia?”

Enfim, minha condição de professor de inglês não me impedirá de exercer a reflexão que as práticas interdisciplinares e transversais podem proporcionar em qualquer que seja a aula ou disciplina, principalmente quando nossos alunos ainda se apresentam como vítimas de um sistema de ensino que considera o saber do ponto de vista compartimentado e que não venceu ainda a luta contra o poder coisificador dos processos desumanizantes do capital.

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